Por Daniel Gonçalves Dias Diniz e Flávya Letícia Teodoro Santos.
Crescer em uma família que possui um dependente químico é desafiador, principalmente quando há contato direto de crianças e adolescentes com essa realidade. Esse desafio pode atuar desestruturando o desenvolvimento saudável ou desenvolvendo competências para lidar com situações estressantes e soluções de problemas. Porém na maioria das vezes os filhos sofrem com uma interação familiar negativa e um empobrecimento na solução de problemas, uma vez que essas famílias são consideradas desorganizadas e disfuncionais.
Filhos de
dependentes químicos apresentam risco aumentado para transtornos psiquiátricos,
problemas físico-emocionais e dificuldades escolares. Dentre os transtornos
psiquiátricos há risco maior para consumo de substâncias psicoativas, álcool,
desenvolvimento de depressão, ansiedade e transtorno de conduta e fobia social.
Entre os problemas físico-emocionais há predominância de baixa autoestima,
dificuldade de relacionamento, ferimentos acidentais, abuso físico e sexual. No
que tange as dificuldades escolares, filhos de dependentes químicos apresentam
escores menores em testes que medem cognição e habilidades verbais, que se dá
devido à falta de estimulação no lar. Estudos sobre
violência familiar retrataram ainda que filhos geralmente são testemunhas de
violência entre o casal e a família e, por vezes, alvos de abusos físicos e
sexuais.
Uma abordagem preventiva de caráter terapêutico e reabilitador torna-se então, de vital importância para o adequado desenvolvimento de filhos de dependentes químicos.
Uma abordagem preventiva de caráter terapêutico e reabilitador torna-se então, de vital importância para o adequado desenvolvimento de filhos de dependentes químicos.
Visando
caracterizar essa população que apresenta um dependente químico na família e
também discutir abordagens terapêuticas e de assistência, foi realizado um
trabalho com famílias atendidas pelo CUIDA (Centro Utilitário de Intervenção e
Apoio a filhos de dependentes químicos), instalado em uma periferia de São Paulo.
Foram entrevistadas 63 famílias, 54 crianças e 45 adolescentes. Para a
constatação do diagnóstico de dependência química na família, o serviço conta
com a aplicação do CAGE familiar como instrumento de triagem, guias de
encaminhamento de serviços de saúde mental e em caso de dúvidas, visitas
domiciliares.
Em
crianças de 4 a
10 anos realizou-se uma avaliação psicológica baseada em 4 desenhos de família:
uma família qualquer, uma família que gostaria de ter, uma família em que
alguém não está bem, a sua família. Em adolescentes de 11 a 18 anos foram aplicadas
149 questões sobre uso de substâncias, padrão de comportamento, estado de
saúde, desordens psiquiátricas, competência social, sistema familiar,
ajustamento escolar, ajustamento de trabalho, lazer, grupo de igualdade de
relações. E entre os familiares foram pesquisados problemas relacionados ao
consumo de álcool (CAGE familiar); aspectos sociais; situações de estresse
psicossocial vividas pela criança; comprometimentos na saúde mental do cônjuge
não-dependente químico (SFQ-20).
Foi observado que, na maioria dos
casos, a figura paterna é dependente química, com grau inferior de escolaridade
quando comparado com as mães. Na ocupação feminina, prevalecem atividades
ligadas ao lar, o que permite pensar que, nessas famílias, a fonte de renda
ainda depende mais do pai ou responsável do sexo masculino, mas que
infelizmente se refere a ocupações sem vínculos empregatícios. Isto também
justifica a condição econômica social dessas famílias, pois, na amostra
pesquisada, 66,7% pertencem à classe “D”.
Chama atenção 58%
dos cônjuges apresentarem risco para o surgimento de distúrbios mentais; 73% dos
pais declararem que a gravidez não foi planejada e 59% dos filhos necessitarem
de algum tipo de tratamento, evidenciando conseqüências no desenvolvimento
infantil e colaborando para um universo familiar de risco. A convivência com um
alcoolista não recuperado na família pode contribuir para o estresse de todos
os membros. Nesse sentido, a resiliência do cônjuge não-dependente químico é um
fator chave nos efeitos dos problemas que causam impacto nos filhos.
Em crianças,
pode-se observar que a maioria dos desenhos mostraram-se regredidos para a
idade, a predominância de sentimentos de insegurança e inadequação associados à
depressão, apatia e repressão. A existência de conflito também se fez presente
com presença de brigas, dificuldades no relacionamento familiar e
agressividade. Pode ser observado um rebaixamento de auto-estima, alto índice
de carência afetiva, com a utilização de defesas como a negação de problemas,
evidenciando um empobrecimento na capacidade de solucionar problemas,
isolamento e maturidade precoce. Com relação ao aspecto cognitivo, a concretude
no pensamento, capacidade de imaginação rebaixada associada à apatia e privação
de estimulação durante o desenvolvimento podem ocasionar um rebaixamento
cognitivo. No entanto pode-se inferir um potencial de desenvolvimento nessas
crianças e justificar a intervenção preventiva como meio de prevenir
diagnósticos psiquiátricos em termos de futuro.
Com relação aos
adolescentes, pode-se observar maior intensidade de problemas na área de lazer
e recreação. O afeto negativo e a monitoração paterna prejudicada estão
associados ao fato de o adolescente unir-se a uma turma de companheiros que apoiam o comportamento de uso de drogas. Uma limitação deste estudo refere-se
ao local onde foi realizado, por tratar-se de uma região com baixa qualidade de
vida que pode influenciar os resultados nessa amostragem. É sabido que o
impacto da prevenção é maior na idade de iniciação do consumo de substâncias:
dos 10 aos 13 anos. A partir dessa idade, o impacto mostra-se reduzido, e um
dos maiores desafios encontrados nesse serviço é a aderência dos adolescentes.
Alguns estudos têm mostrado a necessidade de se trabalhar com os domínios do desenvolvimento das necessidades infantis, a capacidade da realização do cuidado familiar amplo e fatores ambientais e familiares que podem influenciar o desfecho na abordagem de filhos e de famílias de dependentes químicos. As oficinas terapêuticas para os adolescentes e crianças e a cooperativa para os cuidadores almeja a inclusão de fatores de proteção em meio ao grande potencial de risco na vida das famílias estudadas.
Alguns estudos têm mostrado a necessidade de se trabalhar com os domínios do desenvolvimento das necessidades infantis, a capacidade da realização do cuidado familiar amplo e fatores ambientais e familiares que podem influenciar o desfecho na abordagem de filhos e de famílias de dependentes químicos. As oficinas terapêuticas para os adolescentes e crianças e a cooperativa para os cuidadores almeja a inclusão de fatores de proteção em meio ao grande potencial de risco na vida das famílias estudadas.
Em suma, o contexto onde uma
criança em ambiente de risco se desenvolve é, no mínimo, tão problemático
quanto o peso de fatores de risco especificamente infantis, bem como a
estrutura de socialização. Por isso a necessidade de um olhar específico para
os filhos de dependentes químicos, bem como da organização do serviço como uma
alternativa para abordagem e assistência dessa população, principalmente em
termos da precocidade da intervenção em bairros de periferia.
Referência: Figlie N, Fontes A, Moraes E, Payá R. Filhos de dependentes químicos com fatores de risco bio-psicossociais: necessitam de um olhar especial? Rev Psiq Clín. 2004; 31(2): 53-62. [Link]
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