Por Izadora Lorena Ferreira Reis e Lucas Domingos Rodrigues da
Cunha.
O crack é um derivado da cocaína, convertida em sua
forma alcalina denominada pasta básica, de imenso poder viciante, por sua
grande capacidade de induzir fissura. A fissura é definida como um forte
impulso para o consumo da substância, estritamente ligada ao comportamento de
uso compulsivo, à dependência e às recaídas após períodos de abstinência. Muitas
vezes referida como uma necessidade imprescindível para o corpo, indispensável
para a vida, comparada à fome, a fissura é definida como fator causal do
fenômeno conhecido como binge: um
padrão de consumo intenso, contínuo e repetitivo de crack que pode durar dias,
até que se termine a disponibilidade da droga, ou até que se haja a exaustão do
usuário.
O uso abusivo e a dependência de drogas são problemas de saúde, já que suas
consequências não se limitam à condição moral (rebaixamento de valores),
psíquica e física do usuário; mas estende-se também a aqueles que se encontram
ao seu redor, por meio da prostituição, violência, doenças sexualmente
transmissíveis, que acompanham intrinsecamente a vida dos dependentes.
A fim de analisar a fissura no crack e seu reflexo
no comportamento, foi feito um estudo qualitativo de 40 pessoas (dentre elas 31
usuárias e 9 ex-usuárias, da cidade de São Paulo, com mais de 18 anos, de ambos
os sexos, que não apresentavam comprometimento cognitivo advindo do uso da
droga).
A amostra foi submetida a um roteiro, por meio da técnica bola de beve (os primeiros entrevistados indicaram outros, que, por sua vez, indicaram outros), que abordou os tópicos: perfil sociodemográfico, histórioco de uso de crack, efeitos do crack, vivência da fissura e suas consequências, comportamento de risco associado à fissura, padrão compulsivo do consumo (binge) e agressividade relacionada à fissura.
A amostra foi submetida a um roteiro, por meio da técnica bola de beve (os primeiros entrevistados indicaram outros, que, por sua vez, indicaram outros), que abordou os tópicos: perfil sociodemográfico, histórioco de uso de crack, efeitos do crack, vivência da fissura e suas consequências, comportamento de risco associado à fissura, padrão compulsivo do consumo (binge) e agressividade relacionada à fissura.
Na análise dos resultados, observou-se que grande
parte dos indivíduos possuiam baixa condição socioeconômica, com nível de
escolaridade que variaram do analfabetismo ao nível superior. Todos declararam
fissura como algo inevitável pelo consumo de crack e atribuíram-na papel
fundamental no processo e manutenção da dependência, dificultando ou
impossibilitando o abandono da droga. Três padrões de situações foram definidos
como desencadeadores da fissura: (1) as pistas internas ou externas: quando se
depara com algum sentimento ou algo que faça lembrar do crack (também definido
com as pistas do ambiente); (2) com a retirada do crack: desejar o prazer mais
uma vez ou não querer sentir o desconforto da ausência da droga; (3) na
vigência do uso de crack: a fissura como um de seus efeitos e, portanto, o
desejo e busca por mais e mais. Essa última condição está extremamente relacionada
com o fenômeno frequente de binge
durante o consumo, que culmina, geralmente, num esgotamento físico, psíquico e
financeiro (e que todos declararam terem-no vivenciado).
Uma vez a fissura presente e não saciada
imediatamente, seu principal efeito é o sofrimento e invasão de pensamentos
obsessivos que envolvem a meneira de obtenção da substância e dinheiro para
comprá-la. Dessa forma, a busca da droga não limita-se à motivação pelo prazer
oferecido pelo consumo, mas também como forma de alívio do estado de mal-estar
advindo da condição de abstinência.
A partir do momento que o crack assume condição
vital na vida da pessoa, a urgência em consumi-lo muda seus valores, sua
capacidade de discernimento e sua conduta, a partir de atividades de colocam em
risco sua integridade moral e física e as de outras pessoas (nada parece tão
ruim quanto não usar o crack). A partir dessas alterações morais e
comportamenais, a prática de atividades ilícitas (como roubo), degradantes (como
a prostituição), e comportamentos sexuais de risco (como promiscuidade e não
uso de preservativo) são extensamente prevalentes em usuários na condição de
fissura. No estudo em questão, a prostituição foi uma prática quase unânime
entre as mulheres da amostragem e presente em alguns homens. Além disso,
mudanças na personalidade através do comportamento manipulador, a partir de
mentiras e dissimulações, com perda da confiança e credibilidade muitas vezes
irreversíveis, estão muito associadas ao uso do crack. E, na impossibilidade de
condições financeiras para o sustento do vício, endividamento (com
traficantes), envolvimento com roubos e troca de pertences por pedras de crack
são práticas comuns.
Dentre as estratégias comuns para o controle da
fissura estão: substituir o pensamento fixo na droga por outras formas de
sentir prazer, que estimulem a zona de recompensa (comer, dedicar-se à espiritualidade,
buscar o prazer sexual); uso de substâncias com efeito depressor do sistema
nervoso central como benzodiazepínicos, maconha, álcool; e mudança de
comportamentos, baseando-se no distanciamento de locais e pessoas que lembrem
ou que estão associados diretamente com o consumo da droga. Entretanto, tais
mecanismos são restritos, já que as estratégias são particulares e, portanto,
sua efetividade varia de acordo com a individualidade. E, mesmo para um
indivíduo, o controle da fissura é extremamente lábil, já que em algumas
situação é efetivo e em outras não.
Dessa forma, o crack desencadeia o binge devido à obsessão e compulsão
associadas diretamente à fissura. Esse padrão de comportamento obsessivo e
compulsivo suscita mudanças morais, comportamentais, reacionais que comprometem
a saúde e suas relações sociais, como discutidos anteriormente. Além disso, a
compreensão da causa do uso de crack, dos comportametos e condições associadas
ao uso (questões sociais, ambientais e emocionais) e das formas que o usuário
utiliza para enfrentar a fissura são parâmetros essenciais que devem ser
investigados afim de conduzir a terapêutica do vício da melhor forma possível.
A partir da do entendimento dos efeitos do crack no contexto da saúde pública, a
atitude de tratar o dependente deve ser somada a estratégias que foquem a
veiculação de informações à comunidade a cerca do crack e suas consequência,
associada a campanhas de prevenção na comunidade na transmissão do HIV e de
hepatites entre usuários de crack.
Referência:
Tharcila VC, Zila MS, Luciana AR, Solange NA. Fissura
por crack: comportamentos e estratégias de controle de usuários e ex-usuários. Rev
Saúde Pública 2011;45(6):1168-75.
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