Calcificações cerebrais (CC), também conhecidas como
Síndrome de Fahr, são lesões formadas por deposição de sais de cálcio e
fósforo, usualmente localizadas nos gânglios basais, cerebelo e tálamo. As CC
são passíveis de ocorrer em diversas condições clínicas, com maior prevalência
naquelas em que há distúrbios da homeostase eletrolítica, como nas
endocrinopatias, no período pós-operatório e em algumas síndromes genéticas. O
desenvolvimento das CC é lento e pode permanecer assintomático por um longo
período. Devido ao acometimento da massa encefálica, foram observadas manifestações
neuropsiquiátricas graves concomitantes à Síndrome de Fahr, principalmente
quando as CC são secundárias ao hipoparatireoidismo.
Apesar de incomum, o hipoparatireoidismo é uma possível
causa de distúrbios psiquiátricos graves, relacionados ou não às CC. A
deficiência de paratormônio (PTH) resulta em redução e aumento dos níveis
séricos de cálcio e fosfato, respectivamente; produzindo, assim, depósitos
minerais na pele, na retina e no cérebro. No entanto, os sintomas diferem de
acordo com cada estrutura acometida e com as características do próprio
distúrbio. Dessa forma, condições mais agudas como delirium normalmente derivam de distúrbios eletrolíticos
pós-cirúrgicos. A deterioração cognitiva, por outro lado, é o sintoma normalmente
decorrente da hipocalcemia, enquanto o aparecimento de sintomas psicóticos
tende a ser tardio e associado à calcificação dos gânglios basais. Os
transtornos de humor, todavia, estão sempre presentes e, portanto, podem ser
considerados como sendo as primeiras manifestações clínicas das CC,
independentemente da sua etiologia.
No
início do ano de 2013 foi publicado na Revista Brasileira de Psiquiatria um
artigo intitulado: “Cerebral calcifications and schizophreniform disorder”, o qual
aborda o caso de um paciente que foi internado em um hospital psiquiátrico, com
diagnóstico prévio de esquizofrenia. Após investigação clínica detalhada, todavia,
o quadro revelou-se sendo um caso de hipoparatireoidismo pós-cirúrgico, com
extensas CC:
Logo após divorciar-se, em 2005, um homem de 52 anos começou a apresentar distúrbios comportamentais, embotamento social e agressividade associada a sintomas psicóticos (delírios persecutórios e alucinações auditivas). Na ocasião ele foi diagnosticado com esquizofrenia paranoide e foi submetido a um tratamento sintomático satisfatório. No entanto, a partir do ano de 2006, ele passou a apresentar comprometimento cognitivo e distúrbios motores, que enfraqueceram sua adesão ao tratamento e resultaram em várias internações psiquiátricas, sempre desencadeadas por sintomas psicóticos.
Em junho de 2009, o paciente foi internado em um hospital psiquiátrico desidratado, desnutrido, com retardo psicomotor, ataxia cerebelar, sinal de Chvostek positivo, movimentos miclonais e sintomas piramidais. Os exames laboratoriais mostraram um TSH sérico elevado, na tentativa de estimular a produção de T4 livre; adicionalmente, seu o PTH estava muito abaixo do valor de referência e, como esperado, o cálcio sérico estava baixíssimo e o fósforo, por sua vez, extremamente elevado. Para completar os achados laboratoriais foi feito uma tomografia computadorizada de crânio que revelou extensas áreas de CC.Durante o exame psiquiátrico, o paciente permaneceu acordado, com hipoprosexia, desorientação temporal e espacial, hipocinesia e estereotipia motora, não apresentado qualquer resposta a estímulos externos ou a comandos verbais simples. Além disso, o paciente apresentava embotamento afetivo, afasia global e amnésia generalizada. Entretanto, não foi observada nenhuma atitude alucinatória.Uma investigação de sua história médica prévia revelou um carcinoma na tireóide, tratado com ressecção total em 1986. Entretanto, seu controle endocrinológico pós-operatório era irregular e inadequado, justamente quando seus sintomas psiquiátricos apareceram. Ainda é interessante relatar, que o paciente apresentava história familiar de esquizofrenia em avós maternos.Depois de devidamente avaliado, o paciente permaneceu internado durante 17 dias, nos quais recebeu apoio nutricional adequado e correção dos distúrbios eletrolíticos e endocrinológicos, com reposição diária de cálcio, fósforo e T4. Apesar do tratamento adotado, os déficits cognitivos permaneceram (afasia, alogia, desorientação temporal e espacial e distúrbios motores). Em face à complexidade do processo, o paciente foi transferido para um hospital geral e, após extensa investigação clínica, seu diagnóstico final foi firmado como “Demência em hipercalcemia”.
As
manifestações psiquiátricas relacionadas às CC aparentam variar de acordo com a
idade do paciente no início do processo de calcificação e a extensão das CC está,
evidentemente, relacionada à seriedade dos sintomas neuropsiquiátricos, apesar
de não ter sido observado qualquer relação com um tipo específico de
sintomatologia. Na maioria desses pacientes o prognóstico não é bom, mas o
tratamento da causa subjacente pode melhorar os sintomas, apesar de raramente
parar sua progressão.
No
entanto, a intervenção clínica em distúrbios eletrolíticos e em intoxicações é
obrigatória e imediata. Caso haja tratamento adequado, desde o início do
processo, os distúrbios mentais, derivados de causas orgânicas são, geralmente,
reversíveis. No entanto, é importante lembrar que distúrbios de cálcio e
fósforo são causas potenciais de dano cognitivo permanente. Portanto, o caso
clínico em questão demonstra e, mais ainda, comprova que, assim como proposto
pelo DSM-IV e pelo ICD-10, ao fechar o diagnóstico de qualquer distúrbio
psiquiátrico devem ser obrigatoriamente excluídas condições médicas gerais ou
distúrbios orgânicos, mesmo havendo uma história familiar positiva para doenças
psiquiátricas.
Referência: Meyer LF, Jozef F, Taborda JGV, Brasil MAA, Valença AM. Cerebral calcifications and schizophreniform disorder. J Bras Psiquiatr 2013; 62(1):81-84; 2013.
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