Por Gabriela Agostini, Franciéli
Schäffer e Fernanda Menezes.
Sabidamente, a rotina dos
estudantes da área da saúde, especialmente os de medicina, é estressante. Muito
estudo, faculdade em período integral (o que mantém a maioria dos estudantes
dependente dos pais por mais tempo), noites em claro, além de, obviamente,
começar a lidar com situações de perda, doença, sofrimento e morte. Até aí,
nenhuma novidade. O que pesquisas revelaram recentemente é que o ambiente em
que se inserem os estudantes e residentes da área da saúde como um todo
favorece a ocorrência dos transtornos mentais comuns (TMC), levando-os a ser um
grupo de maior risco de adoecimento mental.
Para entender um pouco melhor o
assunto, é preciso explicar o que são os TMC. Na década de 70, Goldberg e
Huxley cunharam a expressão “transtornos mentais comuns” para se referir a
sintomas como insônia, fadiga, irritabilidade, esquecimento, dificuldade de
concentração e queixas somáticas. Apesar de, inicialmente, não apresentarem
gravidade significativa, os TMC estão relacionados aos transtornos de
ansiedade, somatização e depressão sem sintomas psicóticos, podendo ter relação
com a incapacidade e a ausência no trabalho.
Estudos iniciais sobre TMC em países
industrializados referiram uma variação na prevalência entre 7% e 30%. Já no
Brasil, encontrou-se prevalência de 35% e 22,7% em estudos realizados respectivamente
em Olinda/PE e Pelotas/RS e associação desses transtornos às condições de vida
e estrutura ocupacional. Diversas pesquisas foram realizadas com o intuito de avaliar
a ocorrência dos TMC no contexto dos estudantes da área da saúde, e seus
resultados confirmaram taxas significativamente elevadas na área, em comparação com a
população geral.
Especificamente no caso da
medicina, depois de 6 anos de estudo, quando enfim o estudante encontra-se no
mercado de trabalho, depara-se com um novo desafio: a residência. A formatura deixa
de ser um rito de libertação para ser a entrada em um novo mundo de responsabilidades
e demandas, que podem favorecer ainda mais o desenvolvimento de transtornos
psiquiátricos no profissional recém-formado.
A residência é uma das fases mais
estressantes na formação do médico, principalmente durante o primeiro ano. Isso
porque nesse processo, o residente enfrenta uma crise interna constante, que
tanto pode contribuir no aprimoramento suas habilidades quanto pode desencadear
transtornos mentais. Antes restrita aos médicos, a modalidade de treinamento se
expandiu para enfermeiros, nutricionistas e outras categorias profissionais da
área de saúde.
Uma das últimas pesquisas
realizadas sobre esse assunto propôs-se a avaliar a prevalência dos TMC e sua
associação com variáveis sociodemográficas e profissionais em residentes. O
estudo foi realizado com pós-graduandos nas áreas de medicina, enfermagem,
nutrição e saúde coletiva do primeiro e segundo anos em Recife/PE, em 2007. O
estudo avaliou a presença de TMC por meio da versão brasileira do
Self-Reporting Questionnaire (SRQ-20) e diversos dados sociodemográficos e de
formação profissional, através da aplicação de questionário próprio.
Os resultados obtidos mostraram
prevalência global de TMC de 51,1%, sem associação significante com sexo,
idade, cidade onde residia antes do treinamento, situação de moradia, estado
conjugal e número de filhos. A prevalência de TMC foi 39% maior em residentes médicos
do que nos não-médicos. As queixas mais relatadas foram “sentir-se nervoso,
tenso ou preocupado”, “dormir mal” e “cansar-se com facilidade”. O relato das
queixas foi muito semelhante no grupo dos residentes médicos e no dos
não-médicos. Somente uma queixa apresentou diferença significante: os médicos
vinculam seu trabalho com sofrimento cerca de 3 vezes mais do que no segundo
grupo.
As discrepâncias observadas entre
as profissões investigadas, mesmo que todas pertençam à área da saúde,
devem-se, provavelmente, ao fato de que a maior responsabilidade diante do
paciente está nas mãos do residente médico. Além disso, algumas demandas que
envolvem a formação médica são consideradas estressoras, como o comunicar
doenças graves, o lidar com a morte, o isolamento familiar e social, a fadiga,
a privação de sono, a sobrecarga de trabalho e o pavor de cometer erros.
No entanto, é preciso ressaltar
que os TMC não são exclusivos de residentes. Elevada prevalência desse tipo de
transtorno também foi observada em pesquisas envolvendo professores (ver
tabela), e associada, sobretudo, à experiência com violência e piores condições
ambientais, ambiente físico e desconforto no trabalho, margem de autonomia, de
criatividade e tempo no preparo das aulas.
|
Prevalência de TMC
|
Residentes médicos
|
56,2%
|
Residentes não médicos
|
40,4%
|
Professores
|
44 - 50,3%
|
Estudantes da área da saúde
|
29,6 - 44,7%
|
Médicos residentes americanos
|
|
População Geral
|
7 – 35%
|
Os resultados
obtidos nesta e em outras pesquisas realizadas chama a atenção, pois demonstram
o descaso com a saúde de profissionais em formação na área da saúde. Em
treinamento para cuidarem do outro, estudantes e residentes acabam por
negligenciar suas próprias necessidades, na maioria das vezes, devido à elevada
exigência dos programas nos quais estão inseridos.
Além disso, os
diversos fatores estressantes, inerentes às carreiras da área da saúde, exigem
que os profissionais em formação tenham maior atenção e acompanhamento
psiquiátrico, que os auxiliem a lidar com as dificuldades impostas. Valorização
da qualidade de vida; abordagem diferenciada para cada especialidade,
contemplando os aspectos mais problemáticos de cada uma; reestruturação dos
programas de residência e adequação do ambiente, tornando-o menos exaustivo,
são estratégias que podem ser adotadas para minimizar os impactos dessa nova
fase.
Referência: CARVALHO, Carla Novaes et al . Prevalência e
fatores associados aos transtornos mentais comuns em residentes médicos e da
área multiprofissional. J. bras. psiquiatr.,
Rio de Janeiro , v. 62, n. 1, 2013 . [Link]
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