
Recente estudo realizado nos Estados Unidos entitulado Repeated Δ9-Tetrahydrocannabinol Exposure in Adolescent Monkeys:
Persistent Effects Selective for Spatial Working Memory, publicado no American Journal of Psychiatry em Abril de 2014, mostrou que o uso constante de maconha pode
causar alterações na memória de trabalho espacial em adolescentes. No estudo
foram usados sete pares de macacos com 14 a 18 meses de vida (tempo de vida com
alto desenvolvimento cerebral, assim como na adolescência humana) que receberam
doses de THC intravenoso diariamente por 6 meses e tiveram que realizar testes
relacionados a memória. Os resultados foram quantificados e mostram que em
testes de memória espacial, em que os macacos tinham que memorizar a posição de
um objeto mostrado na tela de um computador, o THC teve uma grande influência
negativa no desenvolvimento desse tipo de habilidade. Com isso, o estudo sugere
que o uso de maconha na adolescência pode estar relacionado com alterações
cognitivas de seres humanos na fase adulta, sendo um importante problema de
saúde pública.
Foi achado
que a administração repetida de THC prejudicou as melhorias relacionadas com a
idade e com a prática na precisão de tarefas de memória de trabalho
espacial, mas não prejudicou a melhora da precisão
nas tarefas de memória de trabalho de objeto. Além disso, nem tolerância nem
sensibilidade foram desenvolvidas aos efeitos agudos do THC no desempenho das
memórias de trabalho depois de 6 meses de exposição contínua. Os efeitos
persistentes do THC nas tarefas de memória espacial foram observados em macacos com 29-35 semanas,
idade correspondente ao início da adolescência em humanos, que corresponde ao
estágio de desenvolvimento quando a habilidade de memória de trabalho espacial depende cada
vez mais de circuitos do córtex pré-frontal dorsolateral em macacos rhesus.
Embora os mecanismos neurais subjacentes
ao efeito seletivo do THC na memória de
trabalho espacial ainda não foram determinados,
o artigo mostrou que os níveis do receptor de canabinóide tipo 1 (CB1R) são mais elevados
no córtex
pré-frontal dorsolateral do que
no córtex pré-frontal ventrolateral
e que a densidade dos axônios contendo CB1R no córtex pré-frontal dorsolateral
varia durante a adolescência. Além disso, estudos eletrofisiológicos
revelaram que a memória de trabalho
espacial ativa preferencialmente o córtex pré-frontal dorsolateral, enquanto a memória de trabalho de objeto ativa preferencialmente o córtex pré-frontal ventrolateral. Essa dissociação
neuroanatômica sugere que a memória
espacial e de objeto podem ter diferentes trajetórias de desenvolvimento nos macacos,
como acontece em seres humanos, com a memória de trabalho de objeto atingindo os níveis adultos
de desempenho mais cedo durante o
desenvolvimento. Ou seja, a habilidade de memória de trabalho espacial ainda está em
maturação durante a adolescência enquanto a habilidade de memória de trabalho
de objeto já
está plenamente desenvolvida nessa idade.
A descoberta
da existência de um efeito permanente do THC na memória de trabalho espacial, sobre condições
experimentais bem controladas em macacos adolescentes, é consistente com
relatos anteriores em humanos que o consumo abusivo de maconha durante a
adolescência tem um efeito mais profundo nas funções cognitivas do que uso
similar durante a vida adulta. Por exemplo, relativo ao uso de maconha na vida
adulta, o uso por adolescentes é associado a maior deficit neuropsicológico,
padrões alterados de ativação neuronal no córtex pré-frontal durante tarefas de
memória de trabalho e aumento do risco de desenvolver esquizofrenia. Em
conjunto, esses resultados suportam a hipótese de que habilidades cognitivas
imaturas são particularmente vulneráveis aos efeitos deletérios do THC e
sugerem que o uso da maconha na adolescência é um importante problema de saúde
pública. Esta
preocupação é agravada dado relatos
recentes de que a proporção de jovens
entre 12 e 17 anos que estão experimentando Cannabis está aumentando enquanto a proporção dos que consideram fumar maconha um grande
risco de dano à saúde está em declínio.
Em relação à
tolerância, a exposição repetida de macacos ao THC durante 6 meses não pareceu
afetar a sensibilidade aos efeitos prejudiciais agudos do THC na memória de
trabalho espacial.
Assim, a conclusão de que a exposição repetida não produz tolerância ao efeitos prejudiciais agudos do
THC na memória de
trabalho sugere que os adolescentes possam permanecer susceptíveis aos deficits cognitivos agudos causados pela
maconha, independentemente da sua história de uso.
Os achados
sugerem que o comprometimento seletivo da memória de trabalho espacial não é devido a
prejuizo no precesso motor, motivacional ou atencional. É importante ressaltar
que a administração intravenosa de THC não é isomorfo a fumar maconha. O cigarro
de maconha contém outros canabinoides (como o canabidiol), assim como
isoprenoides e flavonoides, e alguns deles podem aumentar ou diminuir os
efeitos do THC.
Portanto, os
achados fornecem dados de experimentos indicando que a exposição repetida ao THC
durante a adolescência causa prejuízo persistente na memória de trabalho, que
são seletivos para a memória de trabalho espacial, persiste durante o período de exposição e
não altera os efeitos cognitivos agudos do THC. Esses achados sugerem que o uso
de maconha durante adolescência pode resultar em pior desempenho acadêmico,
mesmo na ausência do uso agudo da droga, o que aumenta as preocupações
associadas com o aumento do uso de maconha entre os adolescentes. Ademais,
esses resultados fornecem suporte que o uso de maconha na adolescência é um
fator de risco para esquizofrenia, uma vez que anormalidades associadas ao uso
de maconha na adolescência (como prejuizo da memória de trabalho e
funcionamento alterado do córtex pré-frontal dorsolateral) podem estar
presentes antes do início da psicose nos indivíduos que sofrem de
esquizofrenia. Por fim, o estudo indica que os efeitos persistentes do THC nas
habilidades cognitivas são mais evidentes quando a exposição à droga coincide
com o estágio de desenvolvimento no qual os circuitos neurais subjacentes estão
amadurecendo ativamente.
Referência: Verrico CD, Gu H, Peterson ML, Sampson AR, Lewis DA. Repeated Δ9-tetrahydrocannabinol exposure in adolescent monkeys: persistent effects selective for spatial working memory. Am J Psychiatry. 2014 Apr;171(4):416-25. [Link]
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