Por Aloisio Romanelli e Gabriel Costa.
Muitos
pesquisadores buscaram compreender as associações entre desordens psíquicas e a
criatividade; a partir de seus estudos eles proporcionaram alguma evidência
empírica dessa associação, sobretudo quando concentravam-se em esquizofrenia e
transtorno bipolar. No entanto, os estudos anteriores geralmente são
dificultados por fatores como as pequenas coortes, a falta de instrumentos
padronizados para avaliar-se a criatividade e o uso restrito de biografias como
meio de estabelecer diagnósticos. Nesse sentido o artigo “Mental illness,
suicide and creativity: 40-Year prospective total population study” objetivou
construir um método plausível de investigação dessa temática, fazendo-o através
de um amplo estudo de caso-controle.
Na pesquisa foram investigados 65.589
pacientes suecos, no período de 1973 a 2009, diagnosticados com o auxílio do Registro
Nacional de Pacientes nos seguintes grupos: esquizofrenia, transtorno esquizoafetivo,
transtorno bipolar, depressão unipolar, transtorno de ansiedade, abuso de
álcool, abuso de outras drogas, autismo, desordem de hiperatividade e déficit
de atenção, anorexia nervosa e, por fim, indivíduos que cometeram suicídio.
Procurou-se, ainda, a presença desses transtornos nos parentes de primeiro,
segundo e terceiro graus dos pacientes. Definiu-se como critério de
criatividade o exercício de ocupações com caráter artístico ou científico e
enquadraram-se os autores em um grupo separado. Ao final do estudo, a partir da
comparação com os controles, não foi encontrada nenhuma associação positiva
entre psicopatologia e ocupações criativas, exceto para o transtorno bipolar.
De outro modo,
indivíduos
que ocupavam profissões criativas possuíam reduzida probabilidade de serem
diagnosticados com os transtornos mencionados, excetuando-se o bipolar; e
apresentavam uma menor chance de cometerem suicídio. Já os autores sofriam de esquizofrenia
e transtorno bipolar mais do que duas vezes os controles; eles também foram
mais propensos a terem diagnóstico de depressão unipolar, transtornos de
ansiedade, abuso de álcool, abuso de outras drogas e cometerem suicídio. Além
disso, os resultados indicaram que os familiares de indivíduos criativos tinham
mais chance de apresentar esquizofrenia, transtorno bipolar, anorexia nervosa e
autismo.
Em relação à associação familiar de
transtornos mentais e criatividade, salienta-se no estudo aspectos fundamentais
vinculados a três diagnósticos. Em relação a esquizofrenia, deve-se considerar
as semelhanças entre o pensamento esquizofrênico e o pensamento divergente,
considerado essencial para a criatividade. Esse tipo de pensamento
caracteriza-se pela ampla capacidade associativa; com grande fluência,
flexibilidade e originalidade de ideias, o que ocorre tanto nos processos
criativos quanto nos delírios. Abordando-se os transtornos bipolares, é
discutido que segundo pesquisas realizadas em 2010, a motivação e o engajamento
pessoal são claramente importantes para a criatividade e de acordo com
Spielberger, em estudo de 1963, mais de 93% das pessoas com uma história de
mania afirmam se esforçar muito para a realização pessoal. Entre os indivíduos
sem transtornos psiquiátricos apenas 60% dizem cultivar proeminentemente esse
esforço. No que se refere ao autismo, reitera-se que interesses intensos e
restritivos, com grande dispêndio de tempo são traços comuns entre esse
transtorno e os mecanismos da criatividade.
Em seu intento de iluminar empiricamente
uma possibilidade tão complexa de associação o artigo é bastante elucidativo
quanto aos seus métodos e restrições, evidenciando de maneira ostensiva a
influência da subjetividade de seus critérios nos desdobramentos do estudo.
Para tal, são elencados, ao final, os principais pontos positivos e negativos
da pesquisa, entre os quais cita-se no primeiro grupo a ampla população e gama
de diagnósticos investigados; e quanto ao segundo grupo a questionável utilização
de ocupações artísticas e científicas como elemento definidor de criatividade.
Contudo, para além de suas limitações, o estudo converteu-se em uma
interessante proposta de entendimento sobre a intersecção entre transtornos
psiquiátricos e o componente criativo, confirmando as evidências já existentes
em torno do transtorno bipolar e trazendo notáveis conclusões a respeito de
autores e familiares das pessoas consideradas, em algum termo, criativas.
Referência: Kyaga S, Landén M, Boman
M, Hultman CM, Làngstrom N, Lichtentein P. Mental illness, suicide and
creativity: 40-Year prospective total population study. Journal of Psychiatric
Research, 47 (2013) 83-90. [Link]
0 comentários:
Postar um comentário