Estudos prévios
têm mostrado a grande utilidade do uso de videogames como ferramentas no
tratamento de vários tipos de doenças, inclusive de transtornos mentais. Apesar
disso, existem poucos estudos controlados visando o desenvolvimento de
tecnologias para o tratamento de transtornos específicos.
Cenário de PlayMancer |
A busca por
tecnologias para auxiliar o tratamento de pacientes com transtornos
relacionados com a impulsividade levaram pesquisadores europeus – uma equipe
multidisciplinar de médicos, engenheiros e programadores - a criarem o Projeto PlayMancer,
que consiste no desenvolvimento de jogos que visam introduzir o paciente em
vários ambientes interativos , ou “ilhas”, que o estimulam no desenvolvimento
de habilidades de autocontrole emocional e autocontrole sobre vários tipos de
comportamentos impulsivos. O PlayMancer, ainda em fase de estudos, vem sendo
testado no Departamento de Psiquiatria da Universidade de Barcelona e já mostra
resultados promissores.
Os Jogos
O cenário dos
jogos é um arquipélago, no qual em cada ilha o paciente encontra diferentes
desafios que visam o desenvolvimento de habilidades na qual a melhora é
desejada (como a capacidade de resolver problemas, o controle da impulsividade,
o enfrentamento de situações associados a frustração, entre outros).
Conforme o
jogador vai vencendo os desafios, ele vai avançando para maiores níveis de
dificuldade. O objetivo final do jogo não é ganhar, como ocorre nos jogos
clássicos, mas alcançar um maior capacidade de auto-controle.
Alguns
protótipos de jogos já foram criados:
·
The face of Cronos: Jogo no qual o paciente deve escalar um
penhasco passando por obstáculos, que são produzidos de acordo com
manifestações de emoção do paciente
·
Treasures of the sea: Jogo que
simula mergulho, no qual o paciente deve controlar seu nível de oxigênio para de manter vivo, a
dificuldade dos obstáculos é modulada pelas emoções do paciente: quanto mais
agitado, maior a dificuldade.
·
Sign of the Magupta: Jogo que
analisa o estado de relaxamento do paciente. Cenário no qual constelações de
estrelas vão aparecendo quanto maior for o estado de calma do paciente.
Componentes Inovadores
Diversos
componentes são integrados à plataforma tradicional do videogame, como
biossensores capazes de mensurar parâmetros responsivos do humor, entre eles a
condutância elétrica da pele, saturação dos níveis de oxigênio, frequência
cardíaca e sua variação, temperatura corporal e frequência respiratória. O
estudo acompanha também biossinais como gestos faciais e alterações da fala,
promovendo detecção das emoções do jogador enquanto este é exposto a diferentes
situações do jogo. Essa reatividade fisiológica e emocional do jogador ativa
automaticamente respostas que, em retorno, modificam aspectos dos níveis de
dificuldade do próprio jogo.
Quando reações
emocionais indesejadas (como raiva, impulsividade, frustração ou respostas
não-planejadas) são detectadas, o personagem é direcionado a uma área de
relaxamento, com o propósito de acalmar o jogador. Durante toda a sessão, o
aumento dessas reações indesejadas torna os objetivos finais dos games mais
difíceis de serem alcançados. Em contrapartida, situação de auto-controle e
relaxamento são reforçadas positivamente pelo sistema, tornando as situações
mais fáceis de controlar e os objetivos finais mais facilmente alcançáveis.
A figura abaixo
mostra as médias das variações de um dos parâmetros fisiológicos avaliados nos
pacientes durante as sessões: a frequência cardíaca. Valores positivos do
gráfico indicam frequências acima da média normalmente avaliada, enquanto
valores negativos indicam frequências abaixo dela. A proposta é observar as
principais alterações desse parâmetro e correlacioná-lo com quatro das emoções
detectadas pelo videogame: raiva, felicidade, neutralidade e chateação. Os dois
primeiros, como esperado, são relacionados a taxas mais altas de frequência
cardíaca, enquanto os dois últimos se relacionam a taxas mais baixas.
Procedimentos de Estudo
Foram incluídos para o projeto de estudo pacientes diagnosticados com Bulimia Nervosa, Transtorno de Compulsão Alimentar e Compulsão por Jogos de Azar, de acordo com critérios do DSM-IV, e com idades entre 18 e 45 anos. Foram excluídos: distúrbios neurológicos ou psiquiátricos que possam interferir com a performance no jogo (psicoses, distúrbio bipolar, depressão maior, dependência de substâncias); pacientes em farmacoterapia que possa interferir com a performance no jogo; diagnosticados atualmente ou anteriormente com adição comportamental por tecnologias ou transtornos de déficit de atenção e hiperatividade.
Em transtornos
mentais (nesse caso, distúrbios alimentares e distúrbios relacionados à
impulsividade), estudos longitudinais controlados têm sido conduzidos desde setembro de 2010, no Departamento de Psiquiatria do Hospital Universitário de
Bellvitge (Barcelona). O videogame, nomeado “The Islands”, é usado como
ferramenta terapêutica adicional e combinado com abordagens psicoterapêuticas
tradicionais. Para evitar efeitos colaterais do jogo, todo o processo é
controlado e supervisionado em todas as instâncias (aplicado sob monitoramento
hospitalar e sob supervisão de um terapeuta).
Cada sessão é
composta por exposição do paciente aos jogos por 20 minutos. Antes e depois de
cada sessão é preconizado um período de relaxamento musical de 3 minutos,
apenas para fins experimentais. Acontecem semanalmente, coincidindo com o dia
em que o paciente comparece para sua sessão de terapia tradicional.
Na figura seguinte, são mostradas as reações fisiológicas e
emocionais de um único paciente, durante
uma sessão do videogame. Reações fisiológicas são mostradas através de três
parâmetros: HR - Heart Rate (Frequência Cardíaca), GSR – Galvanic Skin Response
(Condutância Elétrica da Pele) e BF – Breathing Frequency (Frequência
Respiratória). Também são pontuados no gráfico reações de surpresa, raiva ou
felicidade observadas durante a sessão, coincidindo com aumentos nesses
parâmetros fisiológicos analisados.
O
desenvolvimento de ferramentas interativas como parte do tratamento de
distúrbios psiquiátricos tem se mostrado uma área promissora, uma vez que
possibilita uma análise objetiva de parâmetros vitais dos pacientes e um
acompanhamento do progresso do tratamento, além de ser mais atrativa,
facilitando a adesão do paciente.
Nesse contexto,
mais pesquisas devem ser realizadas a fim de aperfeiçoar as ferramentas já
existentes e criar novas, que abranjam o tratamento de outros tipos de distúrbios, já que atualmente tal tecnologia
é destinada ao tratamento de um número restrito de doenças.
Além disso, vale
ressaltar que a introdução deste tipo de tecnologia não dispensa outras
abordagens terapêuticas, como a psicoterápica e a farmacológica, no tratamento
dos pacientes.
Referência: Fernández-Aranda et al. Video games as a complementary therapy tool in mental disorders: PlayMancer, a European multicentre study. Journal of Mental Health. 2012 August; (21)4: 364-374. [Link]
0 comentários:
Postar um comentário