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sábado, 6 de dezembro de 2014

As possibilidades de associação entre transtornos mentais e criatividade

Por Aloisio Romanelli e Gabriel Costa.

Muitos pesquisadores buscaram compreender as associações entre desordens psíquicas e a criatividade; a partir de seus estudos eles proporcionaram alguma evidência empírica dessa associação, sobretudo quando concentravam-se em esquizofrenia e transtorno bipolar. No entanto, os estudos anteriores geralmente são dificultados por fatores como as pequenas coortes, a falta de instrumentos padronizados para avaliar-se a criatividade e o uso restrito de biografias como meio de estabelecer diagnósticos. Nesse sentido o artigo “Mental illness, suicide and creativity: 40-Year prospective total population study” objetivou construir um método plausível de investigação dessa temática, fazendo-o através de um amplo estudo de caso-controle.
    Na pesquisa foram investigados 65.589 pacientes suecos, no período de 1973 a 2009, diagnosticados com o auxílio do Registro Nacional de Pacientes nos seguintes grupos: esquizofrenia, transtorno esquizoafetivo, transtorno bipolar, depressão unipolar, transtorno de ansiedade, abuso de álcool, abuso de outras drogas, autismo, desordem de hiperatividade e déficit de atenção, anorexia nervosa e, por fim, indivíduos que cometeram suicídio. Procurou-se, ainda, a presença desses transtornos nos parentes de primeiro, segundo e terceiro graus dos pacientes. Definiu-se como critério de criatividade o exercício de ocupações com caráter artístico ou científico e enquadraram-se os autores em um grupo separado. Ao final do estudo, a partir da comparação com os controles, não foi encontrada nenhuma associação positiva entre psicopatologia e ocupações criativas, exceto para o transtorno bipolar. De outro modo,
indivíduos que ocupavam profissões criativas possuíam reduzida probabilidade de serem diagnosticados com os transtornos mencionados, excetuando-se o bipolar; e apresentavam uma menor chance de cometerem suicídio. Já os autores sofriam de esquizofrenia e transtorno bipolar mais do que duas vezes os controles; eles também foram mais propensos a terem diagnóstico de depressão unipolar, transtornos de ansiedade, abuso de álcool, abuso de outras drogas e cometerem suicídio. Além disso, os resultados indicaram que os familiares de indivíduos criativos tinham mais chance de apresentar esquizofrenia, transtorno bipolar, anorexia nervosa e autismo.

     Em relação à associação familiar de transtornos mentais e criatividade, salienta-se no estudo aspectos fundamentais vinculados a três diagnósticos. Em relação a esquizofrenia, deve-se considerar as semelhanças entre o pensamento esquizofrênico e o pensamento divergente, considerado essencial para a criatividade. Esse tipo de pensamento caracteriza-se pela ampla capacidade associativa; com grande fluência, flexibilidade e originalidade de ideias, o que ocorre tanto nos processos criativos quanto nos delírios. Abordando-se os transtornos bipolares, é discutido que segundo pesquisas realizadas em 2010, a motivação e o engajamento pessoal são claramente importantes para a criatividade e de acordo com Spielberger, em estudo de 1963, mais de 93% das pessoas com uma história de mania afirmam se esforçar muito para a realização pessoal. Entre os indivíduos sem transtornos psiquiátricos apenas 60% dizem cultivar proeminentemente esse esforço. No que se refere ao autismo, reitera-se que interesses intensos e restritivos, com grande dispêndio de tempo são traços comuns entre esse transtorno e os mecanismos da criatividade.
     Em seu intento de iluminar empiricamente uma possibilidade tão complexa de associação o artigo é bastante elucidativo quanto aos seus métodos e restrições, evidenciando de maneira ostensiva a influência da subjetividade de seus critérios nos desdobramentos do estudo. Para tal, são elencados, ao final, os principais pontos positivos e negativos da pesquisa, entre os quais cita-se no primeiro grupo a ampla população e gama de diagnósticos investigados; e quanto ao segundo grupo a questionável utilização de ocupações artísticas e científicas como elemento definidor de criatividade. Contudo, para além de suas limitações, o estudo converteu-se em uma interessante proposta de entendimento sobre a intersecção entre transtornos psiquiátricos e o componente criativo, confirmando as evidências já existentes em torno do transtorno bipolar e trazendo notáveis conclusões a respeito de autores e familiares das pessoas consideradas, em algum termo, criativas.


Referência: Kyaga S, Landén M, Boman M, Hultman CM, Làngstrom N, Lichtentein P. Mental illness, suicide and creativity: 40-Year prospective total population study. Journal of Psychiatric Research, 47 (2013) 83-90. [Link]

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