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sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Um "rito de passagem" perigoso: consequências psicopatológicas do bullying

Por Ana Clara da Cunha Gomes e Jéssica Ferreira Barbieri

Bullying é um tema que vem despertando cada vez mais o interesse de pais, professores e profissionais da saúde. É um termo usado para qualificar comportamentos

agressivos entre alunos no âmbito escolar e caracteriza-se por agressões intencionais, verbais ou físicas, feitas de maneira repetitiva, por um ou mais alunos contra um ou mais colegas. Pode ser dividido em quatro categorias: físico, verbal, relacional e o sexual. Há ainda o cyberbullying, que ocorre através de mensagens e comentários em redes sociais na internet. Nesses casos a vítima é perseguida mesmo fora da escola e muitas vezes os perpetradores do bullying usam o ambiente virtual para se manterem anônimos. Pesquisas mostram indícios de bullying desde 1960, porém era denominado assédio moral (“mobbing”) e caracterizado como agressão coletiva contra outros da mesma espécie.

Pesquisas de intervenção sistemática começaram quando três garotos se suicidaram em um curto intervalo de tempo na Noruega, todos deixando anotações de que tinham sofrido bullying por seus colegas. Desde então, acredita-se que ser vítima de bullying aumenta o risco de depressão, sintomas psicóticos, ideação suicida e tentativas de suicídio, problemas de saúde, de comportamento, emocionais e de rendimento escolar. Ainda assim, é bastante popular a opinião que bullying 'constrói caráter', é um 'rito de passagem' e 'aumenta a resistência' do indivíduo para enfrentar os desafios da vida adulta.


O artigo "Adult Psychiatric Outcomes of Bullying and Being Bullied by Peers in Childhood and Adolescence", de William E. Copeland, Dieter Wolke, Adrian Angold, e E. Jane Costello, tem como objetivo testar se praticar bullying e ser ou não uma vítima de bullying na infância predispõe a problemas psiquiátricos no futuro e suicídios na fase de jovem adulto. Nesse estudo, um total de 1420 participantes que sofreram ou praticaram bullying foram avaliados de 4 a 6 vezes entre as idades de 9 e 16 anos. Os participantes foram caracterizados em apenas vítimas, apenas agressores, ambos (vítimas/agressores) e nenhum do dois.

Entre os jovens analisados, 26,1% relataram ter sofrido bullying pelo menos uma vez e 8,9%, mais de uma vez. A proporção foi semelhante entre garotos e garotas. A prática de bullying foi relatada por 9,5% (5,0% apenas agressores, 4,5% vítimas/agressores) e foi mais comum no grupo de vítimas. Por outro lado, 68,9% não sofreram nem praticaram agressões. Garotos apresentavam maior tendência de ser agressores ou vítimas/agressores.

Os grupos de vítimas e vítimas/agressores apresentavam risco aumentado para transtornos psiquiátricos (distúrbios depressivos, de ansiedade e de pânico) na vida adulta quando comparado ao grupo sem histórico de sofrer ou praticar agressão. Além disso, participantes do grupo de apenas vítimas do sexo feminino apresentaram risco aumentado para agorafobia, enquanto vítimas/agressores do sexo masculino, para ideação suicida, e agressores, para transtorno de personalidade antissocial.

O estudo ainda testou a influência de distúrbios psiquiátricos na infância e de problemas familiares para verificar se a relação bullying x transtornos psiquiátricos na idade adulta era mantida. Observou-se que o risco para depressão nas vítimas deixou de ser significativo, assim como o risco para transtornos de ansiedade nas vítimas/agressores. As outras associações foram mantidas.

Esse artigo contradiz outros estudos, mais antigos, que indicam uma grande prevalência (cerca de 97%) do sexo masculino entre vítimas e praticantes e uma maior tendência para psicopatologias e ideação suicida no sexo feminino, o que levava a crer que mulheres apresentavam uma vitimização mais traumática. Porém, foi observado que garotos e garotas são igualmente afetados pela agressão, porém de formas diferentes, indicando maneiras distintas de lidar com o estresse gerado pelo bullying.

Uma limitação desse estudo é seu enfoque exclusivo no bullying em ambiente escolar, porém ele pode ocorrer em outros ambientes apresentando efeitos semelhantes a longo prazo. Além disso, não se levou em conta a influência entre o bullying ou assédio em outros meios sobre o status de vítima/agressor na escola. Ainda, é importante ressaltar que não foi feita uma análise de distúrbios psiquiátricos em familiares, que poderia favorecer a ocorrência dos transtornos nos jovens.

Pesquisas como essa, que observam as consequências do bullying ao longo da vida das vítimas e agressores são importantes para mostrar que essa prática não é apenas um inofensivo rito de passagem ou 'meninos serão meninos'. As vítimas apresentam grande risco para psicopatologias e para se tornarem perpetradores, quadros que poderiam ser prevenidos com a adequada intervenção de pais e professores.

Referência: Copeland WE1, Wolke D, Angold A, Costello EJ. Adult psychiatric outcomes of bullying and being bullied by peers in childhood and adolescence.  JAMA Psychiatry. 2013 Apr;70(4):419-26. [Link]

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