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sábado, 6 de dezembro de 2014

O uso de antidepressivos pode aumentar o risco de suicídios?

Por Amanda Lage Alves, Rafael de Matos Tavares e Pedro Henrique Machado.

Fármacos e efeitos colaterais estão intimamente relacionados. Não podemos negar os benefícios que as drogas farmacêuticas trouxeram para nossa sociedade. No entanto, temos seus efeitos adversos atrelados. O controle do custo-benefício para a saúde do paciente é controlado primeiramente pelas agências reguladoras. Elas analisam se os fármacos são mais benéficos do que prejudiciais e autorizam sua venda comercial. Além desse papel de liberar a comercialização, elas também são responsáveis em exigir dos fabricantes a seguirem alguns parâmetros de transparência, como, por exemplo, alertar ao consumidor os possíveis efeitos colaterais de seu produto.

Em 2004 a FDA (Food and Drug Administration) regulamentou que os antidepressivos deveriam apresentar em seu rótulo um novo aviso, em uma caixa de texto preta, avisando aos consumidores que esses fármacos eram responsáveis pelo aumento do pensamento, sentimento e comportamento suicida em jovens. Essa nova regulamentação despertou o questionamento de inúmeras pessoas do meio médico, pois esse aviso poderia desencorajar pessoas deprimidas a procurarem ajuda e, também, os médicos a prescreverem tais medicamentos. Sendo assim, uma medida que poderia ser mais danosa à sociedade do que benéfica, pois indivíduos que necessitam de apoio ficariam desamparados e, portanto, mais vulneráveis ao risco de suicídio. Agora, passados 10 anos dessa medida, quais foram seus efeitos? As taxas de suicídio aumentaram ou decaíram? O taxas de detecção e tratamento de quadros depressivos se alteraram?


Primeiramente, devemos ressaltar que essa decisão da FDA não foi aleatória. Na verdade, ela foi fruto de uma metanálise realizada pela Agência sobre 372 estudos de grupo controle envolvendo cerca de 100 mil participantes. O resultado foi que o grupo de crianças e jovens menores de 18 anos que tomavam medicamento antidepressivo apresentaram uma taxa de pensamento ou comportamento suicida de 4%. Já nas crianças e jovens do grupo que utilizam o placebo, essa taxa foi de 2%. No entanto, não houve nenhuma tentativa fatal. Nessa mesma metanálise foi verificado que para adultos maiores de 18 anos os fármacos antidepressivos apresentam um fator de proteção contra pensamentos e comportamentos suicidas.

Agora, passados 10 anos da introdução desse aviso nas caixas de fármacos antidepressivos, vários estudos foram realizadas para saber quais foram os reais efeitos. A equipe de Christine Y Lu e Fang Zhang realizou um estudo de coorte envolvendo mais de 10 milhões de indivíduos americanos nos últimos 10 anos, a fim de identificar mudanças nas tendências de uso de antidepressivos, diagnósticos da doença e números de tentativas de suicídios. A fonte utilizada foram os dados de 11 planos de saúde americanos e dados de organizações relacionadas a saúde mental.

No público adolescente, a curva de uso de antidepressivos apresentou um grande declínio após a introdução do aviso nas caixas de remédio, chegando a 31% no segundo ano após sua introdução. De maneira inversa, houve um aumento nas tentativas de suicídio por envenenamento no mesmo período, chegando a aumentar 21% no segundo ano após a introdução. No entanto, suicídios completos, ou seja, que levaram a morte do individuo, não tiveram seu número significativamente alterado.

Seguindo a tendência apresentada no público adolescente, houve uma diminuição do uso de antidepressivos em adultos jovens. No segundo ano após a introdução do aviso, o percentual de declínio foi de 24,3%. O aumento de tentativas de suicídios por envenenamento também aumentou no período, atingindo um aumento de 33,7%. Assim como ocorreu com os adolescentes analisados, o número de suicídios fatais não alterou significativamente.

Já no publico adulto, o qual não era alvo do novo aviso, também houve um declínio na taxa de uso de fármacos antidepressivos. A queda no segundo ano foi de 14,5%. No entanto, diferentemente dos outros grupos, não houve um aumento na taxa de tentativa de suicídio por esse grupo.

Sendo assim, os dados nos permite inferir que o aviso acabou por ser mais danoso à sociedade que benéfico. O resultado foi um aumento das tentativas de suicídio acompanhado da diminuição no número de tratamentos realizados. Uma das possíveis razões para esse declínio no uso de medicamentos antidepressivos tão significativo é a cobertura da mídia americana sobre a introdução do aviso. Os grandes meios de comunicação americano compartilharam por todo país notícias de caráter sensacionalista e parcial, o que levou até mesmo a população que não era alvo da medida a diminuir o uso dos medicamentos, conforme podemos observar a diminuição do uso em adultos.

Portanto, a omissão do tratamento para transtornos do humor pode apresentar graves consequências. As agências reguladoras de saúde e a mídia possuem um grande poder em interferir na conduta de pacientes e profissionais, e por isso devem agir de forma mais consciente e responsável ao tratar temas como esse.

Referência: Lu et al. Changes in antidepressant use by young people and suicidal behavior after FDA warnings and media coverage: quasi-experimental study. BMJ 2014;348:g3596. [Link]

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