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sábado, 6 de dezembro de 2014

Transtorno de Ansiedade: maior risco de suicídio?

Por Lívia Calastri e Sabline Rodrigues.

O comportamento suicida vem ganhando impulso em termos numéricos e, principalmente, de impacto, sendo que nos últimos 45 anos, a mortalidade global por suicídio vem migrando em participação percentual do grupo dos mais idosos para o de indivíduos mais jovens (15 a 45 anos). Tanto que na faixa etária entre 15 e 35 anos, o suicídio está entre as três maiores causas de morte e em indivíduos entre 15 e 44 anos, o suicídio é a sexta causa de incapacitação.

Um dos prováveis motivos para isso é a mudança sociocultural que vem ocorrendo no mundo desde as Revoluções Industriais, exacerbada com o advento da internet e da globalização, as quais causaram grandes alterações no cotidiano das famílias e do indivíduo, trazendo um volume muito maior de informações, oportunidades, benefícios e, ao mesmo tempo, novas responsabilidades, deveres e obrigações.



Tornou-se, assim, extremamente difícil lidar com todas essas novidades, especialmente para os adolescentes, que, muitas vezes, procuram no suicídio uma forma de “escaparem” dos desafios da vida e de toda a pressão imposta pela sociedade. É possível, ainda, salientar, com base na literatura existente, alguns fatores/situações de risco mais elevado: presença de psicopatologia (depressão, perturbações da personalidade, dependência do álcool, esquizofrenia), doença física (perturbações neurológicas, lúpus e infecção pelo HIV) ou dor crônica; problemas familiares e/ou interpessoais; situações de perda/luto; acontecimentos traumáticos; comportamentos autodestrutivos; perda de emprego (em particular se associada a um status sócio-econômico baixo) ou marcado isolamento social.

Pessoas com baixos níveis de autoestima, resiliência e tolerância à frustração também são mais vulneráveis, possuindo maior risco de suicídio. A prevenção é o melhor tratamento para o suicídio, indubitavelmente. Entretanto, é notório que, nos casos em que há risco de suicídio, necessita-se o tratamento da ansiedade, muitas vezes com medicações próprias para a redução rápida da ansiedade e agitação (Gould, 2010).

A ansiedade é um sentimento vago e desagradável de medo e apreensão, caracterizado por tensão ou desconforto derivado de antecipação de perigo, de algo desconhecido ou estranho. Está entre os transtornos mais comuns nas síndromes psiquiátricas e é percebida como um fator iminente de risco de suicídio.

A partir disso, o artigo “Risco de suicídio em jovens com transtornos de ansiedade: estudo de base populacional”, de Moisés Rodrigues e colaboradores, da Universidade Católica de Pelotas, buscou verificar a relação entre a presença de transtornos de ansiedade e risco de suicídio em jovens de 18 a 24 anos na cidade de Pelotas/RS. Para tal, foi realizado um estudo transversal de base populacional com 1621 jovens entre 18 e 24 anos residentes da zona urbana da cidade de Pelotas/RS entre os meses de novembro de 2007 e junho de 2009, com a aplicação de um questionário cujos temas eram: sexo, idade, estado civil, cor, escolaridade, moradia, atividade laboral, religiosidade, história familiar, comportamento no trânsito, comportamentos violentos, condições de saúde, comportamento sexual e outros comportamentos de risco à saúde.

Na análise bivariada, a presença do risco de suicídio mostrou-se maior nos indivíduos do sexo feminino, pertencentes à classe social menos favorecida, com baixa escolaridade e filhos de pais separados. O risco de suicídio também se mostrou presente em maior proporção, de forma significativa, nos indivíduos que relataram consumo de tabaco e drogas ilícitas.

Nos jovens com algum transtorno de ansiedade, o risco de suicídio foi identificado em 27%. Por outro lado, os jovens que não apresentavam um transtorno de ansiedade o risco de suicídio foi significativamente menor (3,7%; p<0,001). Na análise multivariada, um maior risco de suicídio foi observado nos indivíduos do sexo feminino, com menor nível educacional, com nível sócio-econômico mais baixo, com alguma doença importante, que já fizeram ou faziam tratamento psiquiátrico ou psicológico, com história prévia familiar de transtornos mentais, que utilizaram algum tipo de drogas ilícitas nos últimos três meses. Da mesma forma, aqueles indivíduos que apresentaram algum transtorno de humor tiveram risco de suicídio em maior proporção. Nos indivíduos com algum transtorno de ansiedade, o risco de suicídio foi mais de seis vezes maior do que nos indivíduos sem tal ocorrência.

Apesar de ter sido um estudo limitado, já que o delineamento transversal impede uma explicação profunda do fenômeno existente na relação entre transtornos de ansiedade e risco de suicídio, e impossibilita a identificação de causalidade entre as variáveis, além da brevidade da realização dos questionários, a congruência dos achados aliados à literatura sinaliza a necessidade de maior acurácia na identificação do risco de suicídio, especialmente no serviço de saúde pública, local de maior procura de indivíduos com as comorbidades destacadas. Assim, é essencial a maior atenção direcionada aos pacientes com transtorno de ansiedade para a identificação das primeiras manifestações, para que sejam realizadas ações preventivas, visando diminuir as tentativas e até mesmo o suicídio.

Referência: Rodrigues et al. Risco de suicídio em jovens com transtornos de ansiedade: estudo de base populacional. Psico-USF 2012; 17(1):53-62. [Link]

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