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sábado, 6 de dezembro de 2014

O Impacto do Uso da Maconha na Memória de Adolescentes

Por Vinícius de Moraes Palma e Pedro Henrique R. Carvalho.

O uso da maconha tem se tornado cada vez mais popular entre os adolescentes brasileiros. A grande maioria deles influenciados por questões semelhantes às que fizeram os jovens do início do século XX a consumirem o cigarro industrializado. Esse crescente uso da maconha por jovens apoiado por movimentos que buscam a descriminalização da venda, tornou-se assunto de grande polêmica social e científica. No campo da ciência, muitas questões continuam sem serem respondidas, dentre elas deve-se destacar às que se referem ao uso crônico da planta: “Quais são suas reais consequências para o sistema nervoso?” “Existe relação entre o uso da maconha na adolescência e falhas cognitivas futuras?”. Para responder essas questões diversas pesquisas têm sido realizadas. Vários aspectos ainda não puderam ser concluídos, mas já se sabe que o uso da maconha por adolescentes é sim uma importante questão de saúde pública e deve receber atenção dos governos.
Recente estudo realizado nos Estados Unidos entitulado Repeated Δ9-Tetrahydrocannabinol Exposure in Adolescent Monkeys: Persistent Effects Selective for Spatial Working Memory, publicado no American Journal of Psychiatry em Abril de 2014,  mostrou que o uso constante de maconha pode causar alterações na memória de trabalho espacial em adolescentes. No estudo foram usados sete pares de macacos com 14 a 18 meses de vida (tempo de vida com alto desenvolvimento cerebral, assim como na adolescência humana) que receberam doses de THC intravenoso diariamente por 6 meses e tiveram que realizar testes relacionados a memória. Os resultados foram quantificados e mostram que em testes de memória espacial, em que os macacos tinham que memorizar a posição de um objeto mostrado na tela de um computador, o THC teve uma grande influência negativa no desenvolvimento desse tipo de habilidade. Com isso, o estudo sugere que o uso de maconha na adolescência pode estar relacionado com alterações cognitivas de seres humanos na fase adulta, sendo um importante problema de saúde pública.
Foi achado que a administração repetida de THC prejudicou as melhorias relacionadas com a idade e com a prática na precisão de tarefas de memória de trabalho espacial, mas não prejudicou a melhora da precisão nas tarefas de memória de trabalho de objeto. Além disso, nem tolerância nem sensibilidade foram desenvolvidas aos efeitos agudos do THC no desempenho das memórias de trabalho depois de 6 meses de exposição contínua. Os efeitos persistentes do THC nas tarefas de memória espacial foram observados em macacos com 29-35 semanas, idade correspondente ao início da adolescência em humanos, que corresponde ao estágio de desenvolvimento quando a habilidade de memória de trabalho espacial depende cada vez mais de circuitos do córtex pré-frontal dorsolateral em macacos rhesus.
Embora os mecanismos neurais subjacentes ao efeito seletivo do THC na memória de trabalho espacial ainda não foram determinados, o artigo mostrou que os níveis do receptor de canabinóide tipo 1 (CB1R) são mais elevados no  córtex pré-frontal dorsolateral do que no córtex pré-frontal ventrolateral e que a densidade dos axônios contendo CB1R no córtex pré-frontal dorsolateral varia durante a adolescência. Além disso, estudos eletrofisiológicos revelaram que a memória de trabalho espacial ativa  preferencialmente o córtex pré-frontal dorsolateral, enquanto a memória de trabalho de objeto ativa preferencialmente o córtex pré-frontal ventrolateral. Essa dissociação neuroanatômica sugere que a memória espacial e de objeto podem ter diferentes trajetórias de desenvolvimento nos macacos, como acontece em seres humanos, com a memória de trabalho de objeto atingindo os níveis adultos de desempenho mais cedo durante o desenvolvimento. Ou seja, a habilidade de memória de trabalho espacial ainda está em maturação durante a adolescência enquanto a habilidade de memória de trabalho de objeto já está plenamente desenvolvida nessa idade.
A descoberta da existência de um efeito permanente do THC na memória de trabalho espacial, sobre condições experimentais bem controladas em macacos adolescentes, é consistente com relatos anteriores em humanos que o consumo abusivo de maconha durante a adolescência tem um efeito mais profundo nas funções cognitivas do que uso similar durante a vida adulta. Por exemplo, relativo ao uso de maconha na vida adulta, o uso por adolescentes é associado a maior deficit neuropsicológico, padrões alterados de ativação neuronal no córtex pré-frontal durante tarefas de memória de trabalho e aumento do risco de desenvolver esquizofrenia. Em conjunto, esses resultados suportam a hipótese de que habilidades cognitivas imaturas são particularmente vulneráveis aos efeitos deletérios do THC e sugerem que o uso da maconha na adolescência é um importante problema de saúde pública. Esta preocupação é agravada dado relatos recentes de que a proporção de jovens entre 12 e 17 anos que estão experimentando Cannabis está aumentando enquanto a proporção dos que consideram fumar maconha um grande risco de dano à saúde está em declínio.
Em relação à tolerância, a exposição repetida de macacos ao THC durante 6 meses não pareceu afetar a sensibilidade aos efeitos prejudiciais agudos do THC na memória de trabalho espacial. Assim, a conclusão de que a exposição repetida não produz tolerância ao efeitos prejudiciais agudos do THC na memória de trabalho sugere que os adolescentes possam permanecer susceptíveis aos deficits cognitivos agudos causados pela maconha, independentemente da sua história de uso.
Os achados sugerem que o comprometimento seletivo da memória de trabalho espacial não é devido a prejuizo no precesso motor, motivacional ou atencional. É importante ressaltar que a administração intravenosa de THC não é isomorfo a fumar maconha. O cigarro de maconha contém outros canabinoides (como o canabidiol), assim como isoprenoides e flavonoides, e alguns deles podem aumentar ou diminuir os efeitos do THC.
Portanto, os achados fornecem dados de experimentos indicando que a exposição repetida ao THC durante a adolescência causa prejuízo persistente na memória de trabalho, que são seletivos para a memória de trabalho espacial, persiste durante o período de exposição e não altera os efeitos cognitivos agudos do THC. Esses achados sugerem que o uso de maconha durante adolescência pode resultar em pior desempenho acadêmico, mesmo na ausência do uso agudo da droga, o que aumenta as preocupações associadas com o aumento do uso de maconha entre os adolescentes. Ademais, esses resultados fornecem suporte que o uso de maconha na adolescência é um fator de risco para esquizofrenia, uma vez que anormalidades associadas ao uso de maconha na adolescência (como prejuizo da memória de trabalho e funcionamento alterado do córtex pré-frontal dorsolateral) podem estar presentes antes do início da psicose nos indivíduos que sofrem de esquizofrenia. Por fim, o estudo indica que os efeitos persistentes do THC nas habilidades cognitivas são mais evidentes quando a exposição à droga coincide com o estágio de desenvolvimento no qual os circuitos neurais subjacentes estão amadurecendo ativamente.

Referência: Verrico CD, Gu H, Peterson ML, Sampson AR, Lewis DA. Repeated Δ9-tetrahydrocannabinol exposure in adolescent monkeys: persistent effects selective for spatial working memory. Am J Psychiatry. 2014 Apr;171(4):416-25. [Link]




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