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sábado, 1 de junho de 2013

O impacto das drogas nos filhos de dependentes químicos

Por Daniel Gonçalves Dias Diniz e Flávya Letícia Teodoro Santos.


Crescer em uma família que possui um dependente químico é desafiador, principalmente quando há contato direto de crianças e adolescentes com essa realidade. Esse desafio pode atuar desestruturando o desenvolvimento saudável ou desenvolvendo competências para lidar com situações estressantes e soluções de problemas. Porém na maioria das vezes os filhos sofrem com uma interação familiar negativa e um empobrecimento na solução de problemas, uma vez que essas famílias são consideradas desorganizadas e disfuncionais.
Filhos de dependentes químicos apresentam risco aumentado para transtornos psiquiátricos, problemas físico-emocionais e dificuldades escolares. Dentre os transtornos psiquiátricos há risco maior para consumo de substâncias psicoativas, álcool, desenvolvimento de depressão, ansiedade e transtorno de conduta e fobia social. Entre os problemas físico-emocionais há predominância de baixa autoestima, dificuldade de relacionamento, ferimentos acidentais, abuso físico e sexual. No que tange as dificuldades escolares, filhos de dependentes químicos apresentam escores menores em testes que medem cognição e habilidades verbais, que se dá devido à falta de estimulação no lar. Estudos sobre violência familiar retrataram ainda que filhos geralmente são testemunhas de violência entre o casal e a família e, por vezes, alvos de abusos físicos e sexuais. 
Uma abordagem preventiva de caráter terapêutico e reabilitador torna-se então, de vital importância para o adequado desenvolvimento de filhos de dependentes químicos.

Visando caracterizar essa população que apresenta um dependente químico na família e também discutir abordagens terapêuticas e de assistência, foi realizado um trabalho com famílias atendidas pelo CUIDA (Centro Utilitário de Intervenção e Apoio a filhos de dependentes químicos), instalado em uma periferia de São Paulo. Foram entrevistadas 63 famílias, 54 crianças e 45 adolescentes. Para a constatação do diagnóstico de dependência química na família, o serviço conta com a aplicação do CAGE familiar como instrumento de triagem, guias de encaminhamento de serviços de saúde mental e em caso de dúvidas, visitas domiciliares.
Em crianças de 4 a 10 anos realizou-se uma avaliação psicológica baseada em 4 desenhos de família: uma família qualquer, uma família que gostaria de ter, uma família em que alguém não está bem, a sua família. Em adolescentes de 11 a 18 anos foram aplicadas 149 questões sobre uso de substâncias, padrão de comportamento, estado de saúde, desordens psiquiátricas, competência social, sistema familiar, ajustamento escolar, ajustamento de trabalho, lazer, grupo de igualdade de relações. E entre os familiares foram pesquisados problemas relacionados ao consumo de álcool (CAGE familiar); aspectos sociais; situações de estresse psicossocial vividas pela criança; comprometimentos na saúde mental do cônjuge não-dependente químico (SFQ-20).
Foi observado que, na maioria dos casos, a figura paterna é dependente química, com grau inferior de escolaridade quando comparado com as mães. Na ocupação feminina, prevalecem atividades ligadas ao lar, o que permite pensar que, nessas famílias, a fonte de renda ainda depende mais do pai ou responsável do sexo masculino, mas que infelizmente se refere a ocupações sem vínculos empregatícios. Isto também justifica a condição econômica social dessas famílias, pois, na amostra pesquisada, 66,7% pertencem à classe “D”.
Chama atenção 58% dos cônjuges apresentarem risco para o surgimento de distúrbios mentais; 73% dos pais declararem que a gravidez não foi planejada e 59% dos filhos necessitarem de algum tipo de tratamento, evidenciando conseqüências no desenvolvimento infantil e colaborando para um universo familiar de risco. A convivência com um alcoolista não recuperado na família pode contribuir para o estresse de todos os membros. Nesse sentido, a resiliência do cônjuge não-dependente químico é um fator chave nos efeitos dos problemas que causam impacto nos filhos.
Em crianças, pode-se observar que a maioria dos desenhos mostraram-se regredidos para a idade, a predominância de sentimentos de insegurança e inadequação associados à depressão, apatia e repressão. A existência de conflito também se fez presente com presença de brigas, dificuldades no relacionamento familiar e agressividade. Pode ser observado um rebaixamento de auto-estima, alto índice de carência afetiva, com a utilização de defesas como a negação de problemas, evidenciando um empobrecimento na capacidade de solucionar problemas, isolamento e maturidade precoce. Com relação ao aspecto cognitivo, a concretude no pensamento, capacidade de imaginação rebaixada associada à apatia e privação de estimulação durante o desenvolvimento podem ocasionar um rebaixamento cognitivo. No entanto pode-se inferir um potencial de desenvolvimento nessas crianças e justificar a intervenção preventiva como meio de prevenir diagnósticos psiquiátricos em termos de futuro.
Com relação aos adolescentes, pode-se observar maior intensidade de problemas na área de lazer e recreação. O afeto negativo e a monitoração paterna prejudicada estão associados ao fato de o adolescente unir-se a uma turma de companheiros que apoiam o comportamento de uso de drogas. Uma limitação deste estudo refere-se ao local onde foi realizado, por tratar-se de uma região com baixa qualidade de vida que pode influenciar os resultados nessa amostragem. É sabido que o impacto da prevenção é maior na idade de iniciação do consumo de substâncias: dos 10 aos 13 anos. A partir dessa idade, o impacto mostra-se reduzido, e um dos maiores desafios encontrados nesse serviço é a aderência dos adolescentes.
Alguns estudos têm mostrado a necessidade de se trabalhar com os domínios do desenvolvimento das necessidades infantis, a capacidade da realização do cuidado familiar amplo e fatores ambientais e familiares que podem influenciar o desfecho na abordagem de filhos e de famílias de dependentes químicos. As oficinas terapêuticas para os adolescentes e crianças e a cooperativa para os cuidadores almeja a inclusão de fatores de proteção em meio ao grande potencial de risco na vida das famílias estudadas.
Em suma, o contexto onde uma criança em ambiente de risco se desenvolve é, no mínimo, tão problemático quanto o peso de fatores de risco especificamente infantis, bem como a estrutura de socialização. Por isso a necessidade de um olhar específico para os filhos de dependentes químicos, bem como da organização do serviço como uma alternativa para abordagem e assistência dessa população, principalmente em termos da precocidade da intervenção em bairros de periferia.

Referência: Figlie N, Fontes A, Moraes E, Payá R. Filhos de dependentes químicos com fatores de risco bio-psicossociais: necessitam de um olhar especial? Rev Psiq Clín. 2004; 31(2): 53-62. [Link]



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