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sexta-feira, 31 de maio de 2013

A Psiquiatria dos Jovens Infratores

Por Jane Braga e Júlia Canellas.


Muros altos, cercas elétricas, carros blindados, sistemas anti-furtos no celular... todos esses são artifícios de uma sociedade que vive com medo, que vive a epidemia da insegurança. Porem muito mais que uma sensação, essa realidade é expressa em números. Dados mostram que a cada ano o crescimento da violência no Brasil se torna mais evidente, sendo que o aumento de delitos cometidos por adolescentes merece destaque.

Embora as taxas de prisão de jovens do sexo masculino exceda as de sexo feminino, as prisões femininas tem aumentado. Segundo estatísticas da Vara da Infância e Juventude da comarca da capital do Rio de Janeiro houve um crescimento de 200% nas taxas de delitos de adolescentes do sexo feminino entre 1996 e 2004; durante o mesmo período o aumento das taxas de adolescentes do sexo masculino foi de 73%. Além disso, estudos em vários países apontam a maior prevalência de transtornos psiquiátricos de jovens infratores em relação à população geral.
O aumento da parcela feminina na população de jovens em conflito com a lei e a diferença do perfil psicopatológico entre gêneros relatado em outros países motivou a realização de um estudo que avaliou a prevalência de transtornos psiquiátricos em adolescentes infratores do Rio de Janeiro. Foi investigada a possível relação entra a presença de transtornos e o tipo de delito comparando os dados entre gêneros. Esses dados contribuem para uma mudança na visão dos órgãos gestores refletindo em politicas publicas mais eficazes na recuperação e ressocialização desses jovens e consequentemente atenuação dos índices de violência.
O estudo consistiu na coleta de dados de um grupo de adolescentes infratoras de uma instituição de regime fechado associado (amostra 1 - 30 meninas) a um banco de dados coletado em estudo prévio em uma instituição de liberdade assistida (amostra 2 – 99 meninos e 17 meninas). Em ambas as coletas foi aplicada uma entrevista semiestruturada subdividida em três partes principais:
  1.    Identificação, dados demográficos, historia médica geral, desenvolvimento, historia psiquiátrica, histórico escolar e relações sociais.
  2.      Triagem de 82 sintomas para detectar sintomas chaves para episódios passados e atuais.
  3.      Escala de diagnostico complementar confirmatórios em casos que a triagem foi positiva.
Dentre os aspectos que mais chamaram a atenção, está presente o uso abusivo de álcool, tabaco ou drogas ilícitas tanto pelos jovens infratores quanto por seus parentes.Na análise geral da amostra, a prevalência de abuso de drogas ilícitas entre os jovens atingiu os 70% e de abuso de álcool 52%. Já a taxa de alcoolismo parental entre os jovens infratores é de 42%, enquanto que a prevalência de alcoolismo em adultos brasileiros é de cerca de 10%.A análise indicou também que probabilidade de adolescentes que foram triados para abuso / dependência de álcool cometerem um delito violento (assalto, homicídio) foi 2,4 vezes maior do que aqueles sem abuso /dependente de álcool.
Já o uso de drogas ilícitas atingiu a marca de 89% para cannabis e 35% para a cocaína entre jovens infratores. Até mesmo a historia gestacional e perinatal de uso dessas substancias foi relacionado:70% das adolescentes (amostra 1) foram expostas na vida intrauterina ao tabaco, álcool ou drogas ilícitas.
Em relação aos transtornos psiquiátricos não relacionados à entorpecentes, foi observado tanto uma maior prevalência destes diagnósticos na população de jovens infratores quanto uma maior proporção entre mulheres do que em homens desse grupo.
Os transtornos psiquiátricos presentes nas jovens infratoras (amostra 1) foram:
  •          Transtorno da conduta – 77%
  •          Transtorno da ansiedade – 70%
  •          Transtorno desafiador positivo – 50%
  •          Transtorno depressivo – 50%
  •          Transtorno de déficit de atenção com hiperatividade – 33%

Outros diagnósticos foram enurese, bulimia e transtornos de tiques.





Em uma análise mais minuciosa a amostra de jovens infratores (amostra total) foi subdivida em dois grupos de acordo com a classificação dos delitos cometidos. Os delitos violentos seriam assalto, assalto agravado, tentativa de homicídio e homicídio culposo; já os delitos de propriedade seriam roubo, fraude, furto, posse de armas, vandalismos e tráfico de drogas. Nessa sub-amostra ficou evidente da diferença da proporção dos diagnósticos psiquiátricos entre meninos e meninas:



Apesar da maior proporção de diagnósticos psiquiátricos da população de jovens infratores em relação à população em geral apenas uma pequena parte desses jovens receberam tratamento psiquiátrico antes da detenção. Essa questão ilustra a omissão das políticas públicas não só em relação ao contexto social desses jovens, mas também em relação à assistência de saúde.
O estudo descrito procura contribuir para a compreensão dos detentos juvenis brasileiros do ponto de vista da saúde mental. A detecção precoce de comportamento criminoso é de extrema importância se quisermos melhorar nossas estratégias terapêuticas, e através de medidas efetivas não só buscar a recuperação e ressocialização de jovens infratores como atenuar os índices de violência e tentar amenizar a epidemia da insegurança na sociedade.


Referências: Andrade RC, Assumpção Junior F, Teixeira IA, Fonseca VAS. Prevalências de transtornos psiquiátricos em jovens infratores na cidade do Rio de Janeiro (RJ, Brasil): estudo de gênero e relação com a gravidade do delito. Ciênc Saúde Coletiva 2011; 16(4): 2179-2188. [Link]

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