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segunda-feira, 3 de junho de 2013

O impacto psicológico da criança sobrevivente do câncer e de seus familiares

Por Daniel Palmer Caldeira Mendes e Daniela Carolina El-corab Vasconcelos.


           O advento de novas tecnologias proporciona muitos benefícios na medicina, dentre outros, técnicas cirúrgicas mais precisas e seguras, novos medicamentos e a probabilidade de sobrevivência ao câncer. A partir da década de 1960, constata-se um crescente aumento no número de sobreviventes ao câncer na infância. Estudos, porém, têm revelado uma maior incidência do transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) em crianças que conseguiram sobreviver a essa experiência.
           O TEPT caracteriza-se por um estado em que logo após uma experiência aversiva, o indivíduo entra em um estado de desintegração psicológica, no qual pouco sente ou reconhece da ameaça representada pelo trauma. Ou seja, negação e entorpecimento caracterizam sua condição. O TEPT apresenta duas características principais, que são o evento traumático, definido como "exposição a um evento que envolva a ocorrência ou a ameaça consistente de morte ou ferimentos graves para si ou para outros, associada a uma resposta intensa de medo, desamparo, ou horror” e as três dimensões de sintomas que se desenvolvem a partir desse evento, ou seja: a) o evento traumático é persistentemente revivido (ex.: pesadelos, recordações aflitivas, recorrentes e intrusivas); b) esquiva persistente de estímulos associados ao trauma e entorpecimento da responsividade geral; e c) sintomas persistentes de excitabilidade aumentada, incluindo hipervigilância, dificuldades de concentração e irritabilidade.
Tendo em vista a relevância do tema, foi feita uma pesquisa visando analisar a experiência da sobrevivência ao câncer na infância, enfatizando-se a avaliação de TEPT infantil e a percepção da criança sobre a experiência parental. Mais especificamente, estabeleceram-se os seguintes objetivos: a) identificar a ocorrência de um quadro de TEPT ou de alguns de seus sintomas em crianças sobreviventes ao câncer; b) investigar a percepção da criança sobrevivente acerca da experiência de seus pais; c) analisar, em conjunto, as taxas de TEPT com os relatos das crianças sobre seus pais.
Para a realização da pesquisa adotou-se como critério de inclusão o período de um ano, no mínimo, fora de tratamento para considerar o participante como sobrevivente. Com relação à idade, utilizou-se o critério de, no mínimo, cinco anos de idade durante mais da metade da duração da doença. Foram selecionadas 15 crianças, oito meninos e sete meninas, com escolaridade entre 3º e 7º ano do ensino fundamental na faixa etária de oito a 12 anos. Foram aplicados questionários aos pais para o levantamento de dados sócio demográficos, além da utilização de jogos de tabuleiros e brinquedos de encaixe para a avaliação do rapport entre a criança e o entrevistador. Além de questionários específicos para a avaliação do estresse pós-traumático, no caso o UCLA PTSD Reaction Index for DSM IV (Revision 1) - Child Version (Rodriguez, Steinberg, & Pynoos, 1999), criado pelo Trauma Psychiatry Service na University of California at Los Angeles, o qual autorizou o uso deste instrumento nesta pesquisa. Um diagnóstico de TEPT é estabelecido, quando são preenchidos todos os critérios: A (Evento traumático), B (Reexperimentar), C (Evitação) e D (Hiperestimulação).
           O primeiro contato com os sobreviventes e seus responsáveis foi feito no ambulatório da Unidade de Onco-Hematologia Pediátrica de um Hospital, no dia de atendimento exclusivo a pacientes que finalizaram o tratamento e continuam sendo acompanhados no serviço. Após foram feitas visitas domiciliares. Seguiram-se as recomendações previstas no manual do UCLA PTSD Reaction Index for DSM IV - Child Version para a análise dos dados obtidos, encontrando-se as pontuações em cada critério e no total (escore de gravidade) para TEPT.
           Seis participantes apresentaram estresse leve, sete indicaram estresse moderado e apenas um revelou sintomas graves. Um possível diagnóstico de TEPT foi evidenciado em apenas um dos participantes e o diagnóstico parcial em quatro deles. Mas, as instruções contidas no manual de aplicação do instrumento enfatizam que o diagnóstico deve ser confirmado a partir de avaliações clínicas e que a pontuação obtida em cada critério é um fator importante na confirmação ou não do diagnóstico. Quanto à correlação entre o diagnóstico parcial e a duração da doença, observou-se que o TEPT foi mais identificado entre aqueles participantes que vivenciaram um período menor de duração da enfermidade. Além disso, crianças que receberam um tratamento prolongado podem ter tido mais tempo para aceitar e melhor compreender suas experiências, o que atenuaria as repercussões traumáticas. É importante mencionar que não foram evidenciadas diferenças significativas entre os diferentes tipos de câncer.


           Em relação à entrevista realizada com as crianças acerca da experiência parenteral, 13 participantes relataram que os pais apresentaram alguma mudança após a experiência traumática. Ou seja, a maioria percebeu mudanças em seus pais, mas não eram capazes de especificá-las. Também informaram aumento de comportamentos de cuidado e atenção e mudanças na expressão da afetividade em relação ao filho que esteve doente. As crianças também perceberam mudanças positivas na vida de seus pais, salientando, por exemplo, diminuição de conflitos conjugais, maior afetividade com os filhos e aumento de comportamentos de cuidados, atenção e interação com elas. De modo geral, as crianças são capazes de perceber o quanto o contexto hospitalar é aversivo para seus cuidadores. Algumas disseram que ao irem ao hospital, seus pais se lembram da fase da doença e do tratamento, mostrando-se tristes ou chorando.
           Identificaram-se taxas moderadas de diagnóstico parcial e total de TEPT. Além disso, as taxas de sintomas de estresse pós-traumático também foram baixas. Ao que parece, em relação à percepção das crianças acerca da experiência parental, existe relação entre o modo como a experiência dos pais é percebida por seus filhos e o escore total de gravidade de TEPT infantil. 
           Novas pesquisas devem ser feitas ampliando o número de participantes, no intuito de assegurar generalização dos dados e refinamento do instrumento UCLA PTSD Reaction Index for DSM-IV – Child Version para a população brasileira.

Referências:
Boaventura CT, Araujo TCCF. Estresse pós-traumático da criança sobrevivente de câncer e sua percepção acerca da experiência parental. Estud. psicol. (Natal) [online]. 2012; 17(2):283-290. [Link]

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