Copyright © Psiquiatria UFMG
Design by Dzignine
sexta-feira, 31 de maio de 2013

Estigma social da esquizofrenia

Por Thaís Nascimento Viana Penna Souza e Letícia Brandão Azevedo
“João tem 20 anos e mora com seus pais. Nos últimos oito meses, ele parou de ir à faculdade e não tem mais contato com seus amigos. Ao invés disso, ele fica no seu quarto e se recusa a tomar banho ou comer. Seus pais o escutam como se estivesse gritando e falando com alguém,  mesmo sabendo que ele está sozinho. Às vezes, João fica quieto por um grande período de tempo. Outras vezes, ele fala coisas sem sentido como, por exemplo, que está sendo espionado por seus vizinhos, que conseguem ouvir seus pensamentos. Seus pais sabem que ele não está sob o uso de drogas, pois ele não saiu de casa e também não se encontrou com ninguém.”
Vários estudos demonstram que a esquizofrenia é um dos transtornos mentais mais estigmatizados pela população em geral. No entanto, ainda pouco se sabe sobre os possíveis fatores associados a esse fenômeno. Dessa forma, é importante entender a construção desse estigma a fim de se desenvolver estratégias contrárias a esse processo na população.

Em um estudo realizado na cidade de São Paulo, o método utilizado para esse fim foi um inquérito domiciliar com uma amostra de 500 indivíduos, com idades de 18 a 65 anos. O questionário utilizado começava com a vinheta acima, de um indivíduo, João ou Maria, de 20 anos, que apresentava sintomas de esquizofrenia (segundo o DSM-IV e a CID 10), tais como embotamento social, anedonia, alucinações e delírios, e ainda afirmava que o indivíduo não era usuário de nenhum tipo de droga. Posteriormente viriam algumas questões para se analisar as seguintes variáveis: percepção de perigo, reações negativas, discriminação e reações emocionais. 
Frequências de respostas pelo gênero do indivíduo do quadro apresentado
No estudo, foi possível observar que estigma público em relação à esquizofrenia, no que tange à percepção de perigo, as reações negativas e a discriminação, é maior do que o observado em relação a pessoas com demência e depressão e um pouco menor em relação a pessoas com dependência alcoólica. Isso indica que a essa desordem mental é considerada mais negativa pela população em geral.
A violência é um dos maiores estereótipos relacionados às doenças mentais em geral e à esquizofrenia em particular. Essa afirmação é confirmada neste estudo, já que a grande maioria dos entrevistados acredita que indivíduos com esquizofrenia, especialmente quando homens, poderiam cometer atos violentos contra outras pessoas. No entanto, com o tratamento profissional (psiquiátrico) em andamento, essa percepção de perigo é substancialmente alterada.
Considerar a esquizofrenia como “doença mental” mostrou-se um importante fator que leva à percepção de perigo por parte da população. Isso revela que, colocar a esquizofrenia como um distúrbio mental e fornecer explicações biogenéticas para o quadro, estratégias largamente usadas em campanhas contra os estigmas da esquizofrenia, podem apresentar efeito inverso.
A maioria dos indivíduos entrevistados considera ainda que o indivíduo com sintomas de esquizofrenia gera reações negativas e discriminação em seu meio social. A atribuição de causas biológicas aos sintomas apresentados encontra-se estatisticamente associada com a percepção de reações negativas. Já quando perguntados sobre as reações emocionais perante o indivíduo relatado, reações pró-sociais, como desejo de ajudar, sentimento de compaixão, amizade e pena predominam, especialmente ao considerar-se esse indivíduo como uma mulher.
De maneira geral, observa-se que indivíduos mais novos, homens e aqueles com um maior nível educacional reportam mais frequentemente reações positivas, enquanto a percepção de perigo foi associada com reações de indiferença e irritação, juntamente com sua associação à percepção de discriminação.
Sabe-se que há uma diferença entre as reações atribuídas a outros membros da sociedade e aquelas reportadas pelos próprios indivíduos. O estigma vindo do outro é mais lesivo que o estigma pessoal, o que demonstra o grande impacto deste estudo. No entanto, tratando-se de um questionário realizado pessoalmente, é válido considerar que possa ter ocorrido uma tendência a se dar respostas socialmente desejáveis. Além disso, o uso de uma descrição do caso de um paciente com sintomas mínimos pode ter subestimado a presença do estigma. Assim torna-se difícil avaliar a presença de reações negativas, estigma e discriminação usando-se esse tipo de instrumento.
A avaliação de estigmas é um processo complexo e diferentes padrões têm sido utilizados para sua comparação em estudos internacionais. Neste estudo, os resultados mostram que indivíduos com esquizofrenia encaram um enorme estigma social na cidade de São Paulo. Um importante foco para estudos futuros é investigar o impacto do estigma social nas experiências diárias de pessoas com esquizofrenia no contexto brasileiro.


Referência: Peluso ETP, Blay SL. Estigma público e esquizofrenia na cidade de São Paulo. Rev Bras Psiquiatr. 2011; 33(2): 130-136.[Link]


0 comentários:

Postar um comentário