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sexta-feira, 31 de maio de 2013

Videogames podem contribuir no tratamento de transtornos mentais?


Por Cleo Martins de Souza Coelho e João Henrique Coelho Quintão

Estudos prévios têm mostrado a grande utilidade do uso de videogames como ferramentas no tratamento de vários tipos de doenças, inclusive de transtornos mentais. Apesar disso, existem poucos estudos controlados visando o desenvolvimento de tecnologias para o tratamento de transtornos específicos.
Cenário de PlayMancer

A busca por tecnologias para auxiliar o tratamento de pacientes com transtornos relacionados com a impulsividade levaram pesquisadores europeus – uma equipe multidisciplinar de médicos, engenheiros e programadores - a criarem o Projeto PlayMancer, que consiste no desenvolvimento de jogos que visam introduzir o paciente em vários ambientes interativos , ou “ilhas”, que o estimulam no desenvolvimento de habilidades de autocontrole emocional e autocontrole sobre vários tipos de comportamentos impulsivos. O PlayMancer, ainda em fase de estudos, vem sendo testado no Departamento de Psiquiatria da Universidade de Barcelona e já mostra resultados promissores.



Os Jogos
O cenário dos jogos é um arquipélago, no qual em cada ilha o paciente encontra diferentes desafios que visam o desenvolvimento de habilidades na qual a melhora é desejada (como a capacidade de resolver problemas, o controle da impulsividade, o enfrentamento de situações associados a frustração, entre outros).
Conforme o jogador vai vencendo os desafios, ele vai avançando para maiores níveis de dificuldade. O objetivo final do jogo não é ganhar, como ocorre nos jogos clássicos, mas alcançar um maior capacidade de auto-controle.
Alguns protótipos de jogos já foram criados:
·         The face of Cronos:  Jogo no qual o paciente deve escalar um penhasco passando por obstáculos, que são produzidos de acordo com manifestações de emoção do paciente
·         Treasures of the sea: Jogo que simula mergulho, no qual o paciente deve controlar  seu nível de oxigênio para de manter vivo, a dificuldade dos obstáculos é modulada pelas emoções do paciente: quanto mais agitado, maior a dificuldade.
·         Sign of the Magupta: Jogo que analisa o estado de relaxamento do paciente. Cenário no qual constelações de estrelas vão aparecendo quanto maior for o estado de calma do paciente.

  
Componentes Inovadores
Diversos componentes são integrados à plataforma tradicional do videogame, como biossensores capazes de mensurar parâmetros responsivos do humor, entre eles a condutância elétrica da pele, saturação dos níveis de oxigênio, frequência cardíaca e sua variação, temperatura corporal e frequência respiratória. O estudo acompanha também biossinais como gestos faciais e alterações da fala, promovendo detecção das emoções do jogador enquanto este é exposto a diferentes situações do jogo. Essa reatividade fisiológica e emocional do jogador ativa automaticamente respostas que, em retorno, modificam aspectos dos níveis de dificuldade do próprio jogo.
Quando reações emocionais indesejadas (como raiva, impulsividade, frustração ou respostas não-planejadas) são detectadas, o personagem é direcionado a uma área de relaxamento, com o propósito de acalmar o jogador. Durante toda a sessão, o aumento dessas reações indesejadas torna os objetivos finais dos games mais difíceis de serem alcançados. Em contrapartida, situação de auto-controle e relaxamento são reforçadas positivamente pelo sistema, tornando as situações mais fáceis de controlar e os objetivos finais mais facilmente alcançáveis.
A figura abaixo mostra as médias das variações de um dos parâmetros fisiológicos avaliados nos pacientes durante as sessões: a frequência cardíaca. Valores positivos do gráfico indicam frequências acima da média normalmente avaliada, enquanto valores negativos indicam frequências abaixo dela. A proposta é observar as principais alterações desse parâmetro e correlacioná-lo com quatro das emoções detectadas pelo videogame: raiva, felicidade, neutralidade e chateação. Os dois primeiros, como esperado, são relacionados a taxas mais altas de frequência cardíaca, enquanto os dois últimos se relacionam a taxas mais baixas.


Procedimentos de Estudo
Foram incluídos para o projeto de estudo pacientes diagnosticados com Bulimia Nervosa, Transtorno de Compulsão Alimentar e Compulsão por Jogos de Azar, de acordo com critérios do DSM-IV, e com idades entre 18 e 45 anos. Foram excluídos: distúrbios neurológicos ou psiquiátricos que possam interferir com a performance no jogo (psicoses, distúrbio bipolar, depressão maior, dependência de substâncias); pacientes em farmacoterapia que possa interferir com a performance no jogo; diagnosticados atualmente ou anteriormente com adição comportamental por tecnologias ou transtornos de déficit de atenção e hiperatividade.
Em transtornos mentais (nesse caso, distúrbios alimentares e distúrbios relacionados à impulsividade), estudos longitudinais controlados têm sido conduzidos desde setembro de 2010, no Departamento de Psiquiatria do Hospital Universitário de Bellvitge (Barcelona). O videogame, nomeado “The Islands”, é usado como ferramenta terapêutica adicional e combinado com abordagens psicoterapêuticas tradicionais. Para evitar efeitos colaterais do jogo, todo o processo é controlado e supervisionado em todas as instâncias (aplicado sob monitoramento hospitalar e sob supervisão de um terapeuta).
Cada sessão é composta por exposição do paciente aos jogos por 20 minutos. Antes e depois de cada sessão é preconizado um período de relaxamento musical de 3 minutos, apenas para fins experimentais. Acontecem semanalmente, coincidindo com o dia em que o paciente comparece para sua sessão de terapia tradicional.
Na figura seguinte, são mostradas as reações fisiológicas e emocionais  de um único paciente, durante uma sessão do videogame. Reações fisiológicas são mostradas através de três parâmetros: HR - Heart Rate (Frequência Cardíaca), GSR – Galvanic Skin Response (Condutância Elétrica da Pele) e BF – Breathing Frequency (Frequência Respiratória). Também são pontuados no gráfico reações de surpresa, raiva ou felicidade observadas durante a sessão, coincidindo com aumentos nesses parâmetros fisiológicos analisados.


O desenvolvimento de ferramentas interativas como parte do tratamento de distúrbios psiquiátricos tem se mostrado uma área promissora, uma vez que possibilita uma análise objetiva de parâmetros vitais dos pacientes e um acompanhamento do progresso do tratamento, além de ser mais atrativa, facilitando a adesão do paciente.
Nesse contexto, mais pesquisas devem ser realizadas a fim de aperfeiçoar as ferramentas já existentes e criar novas, que abranjam o tratamento de outros tipos de distúrbios, já que atualmente tal tecnologia é destinada ao tratamento de um número restrito de doenças.
Além disso, vale ressaltar que a introdução deste tipo de tecnologia não dispensa outras abordagens terapêuticas, como a psicoterápica e a farmacológica, no tratamento dos pacientes.


Referência: Fernández-Aranda et al. Video games as a complementary therapy tool in mental disorders: PlayMancer, a European multicentre study. Journal of Mental Health. 2012 August; (21)4: 364-374. [Link]

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