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quinta-feira, 21 de novembro de 2013

De médico e louco... Todo residente tem um pouco

Por Gabriela Agostini, Franciéli Schäffer e Fernanda Menezes.

Sabidamente, a rotina dos estudantes da área da saúde, especialmente os de medicina, é estressante. Muito estudo, faculdade em período integral (o que mantém a maioria dos estudantes dependente dos pais por mais tempo), noites em claro, além de, obviamente, começar a lidar com situações de perda, doença, sofrimento e morte. Até aí, nenhuma novidade. O que pesquisas revelaram recentemente é que o ambiente em que se inserem os estudantes e residentes da área da saúde como um todo favorece a ocorrência dos transtornos mentais comuns (TMC), levando-os a ser um grupo de maior risco de adoecimento mental.
Para entender um pouco melhor o assunto, é preciso explicar o que são os TMC. Na década de 70, Goldberg e Huxley cunharam a expressão “transtornos mentais comuns” para se referir a sintomas como insônia, fadiga, irritabilidade, esquecimento, dificuldade de concentração e queixas somáticas. Apesar de, inicialmente, não apresentarem gravidade significativa, os TMC estão relacionados aos transtornos de ansiedade, somatização e depressão sem sintomas psicóticos, podendo ter relação com a incapacidade e a ausência no trabalho.

Estudos iniciais sobre TMC em países industrializados referiram uma variação na prevalência entre 7% e 30%. Já no Brasil, encontrou-se prevalência de 35% e 22,7% em estudos realizados respectivamente em Olinda/PE e Pelotas/RS e associação desses transtornos às condições de vida e estrutura ocupacional. Diversas pesquisas foram realizadas com o intuito de avaliar a ocorrência dos TMC no contexto dos estudantes da área da saúde, e seus resultados confirmaram taxas significativamente elevadas na área, em comparação com a população geral.
Especificamente no caso da medicina, depois de 6 anos de estudo, quando enfim o estudante encontra-se no mercado de trabalho, depara-se com um novo desafio: a residência. A formatura deixa de ser um rito de libertação para ser a entrada em um novo mundo de responsabilidades e demandas, que podem favorecer ainda mais o desenvolvimento de transtornos psiquiátricos no profissional recém-formado.
A residência é uma das fases mais estressantes na formação do médico, principalmente durante o primeiro ano. Isso porque nesse processo, o residente enfrenta uma crise interna constante, que tanto pode contribuir no aprimoramento suas habilidades quanto pode desencadear transtornos mentais. Antes restrita aos médicos, a modalidade de treinamento se expandiu para enfermeiros, nutricionistas e outras categorias profissionais da área de saúde.
Uma das últimas pesquisas realizadas sobre esse assunto propôs-se a avaliar a prevalência dos TMC e sua associação com variáveis sociodemográficas e profissionais em residentes. O estudo foi realizado com pós-graduandos nas áreas de medicina, enfermagem, nutrição e saúde coletiva do primeiro e segundo anos em Recife/PE, em 2007. O estudo avaliou a presença de TMC por meio da versão brasileira do Self-Reporting Questionnaire (SRQ-20) e diversos dados sociodemográficos e de formação profissional, através da aplicação de questionário próprio.
Os resultados obtidos mostraram prevalência global de TMC de 51,1%, sem associação significante com sexo, idade, cidade onde residia antes do treinamento, situação de moradia, estado conjugal e número de filhos. A prevalência de TMC foi 39% maior em residentes médicos do que nos não-médicos. As queixas mais relatadas foram “sentir-se nervoso, tenso ou preocupado”, “dormir mal” e “cansar-se com facilidade”. O relato das queixas foi muito semelhante no grupo dos residentes médicos e no dos não-médicos. Somente uma queixa apresentou diferença significante: os médicos vinculam seu trabalho com sofrimento cerca de 3 vezes mais do que no segundo grupo.
As discrepâncias observadas entre as profissões investigadas, mesmo que todas pertençam à área da saúde, devem-se, provavelmente, ao fato de que a maior responsabilidade diante do paciente está nas mãos do residente médico. Além disso, algumas demandas que envolvem a formação médica são consideradas estressoras, como o comunicar doenças graves, o lidar com a morte, o isolamento familiar e social, a fadiga, a privação de sono, a sobrecarga de trabalho e o pavor de cometer erros.
No entanto, é preciso ressaltar que os TMC não são exclusivos de residentes. Elevada prevalência desse tipo de transtorno também foi observada em pesquisas envolvendo professores (ver tabela), e associada, sobretudo, à experiência com violência e piores condições ambientais, ambiente físico e desconforto no trabalho, margem de autonomia, de criatividade e tempo no preparo das aulas.



Prevalência de TMC
Residentes médicos
56,2%
Residentes não médicos
40,4%
Professores
44 - 50,3%
Estudantes da área da saúde
29,6 - 44,7%
Médicos residentes americanos
50%
População Geral
7 – 35%

Os resultados obtidos nesta e em outras pesquisas realizadas chama a atenção, pois demonstram o descaso com a saúde de profissionais em formação na área da saúde. Em treinamento para cuidarem do outro, estudantes e residentes acabam por negligenciar suas próprias necessidades, na maioria das vezes, devido à elevada exigência dos programas nos quais estão inseridos.
Além disso, os diversos fatores estressantes, inerentes às carreiras da área da saúde, exigem que os profissionais em formação tenham maior atenção e acompanhamento psiquiátrico, que os auxiliem a lidar com as dificuldades impostas. Valorização da qualidade de vida; abordagem diferenciada para cada especialidade, contemplando os aspectos mais problemáticos de cada uma; reestruturação dos programas de residência e adequação do ambiente, tornando-o menos exaustivo, são estratégias que podem ser adotadas para minimizar os impactos dessa nova fase.
Referência: CARVALHO, Carla Novaes et al . Prevalência e fatores associados aos transtornos mentais comuns em residentes médicos e da área multiprofissional. J. bras. psiquiatr.,  Rio de Janeiro , v. 62, n. 1, 2013 . [Link

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