O termo sensopercepção é utilizado para se referir a processos complexos
através dos quais tomamos conhecimento do mundo. Ou seja, a sensopercepção
é a primeira etapa de nosso processamento cognitivo. Esses processos
são basicamente sensitivos, sejam eles periféricos ou centrais (de 1ª. ordem),
e perceptivos (2ª. ordem). Em virtude de dificuldades de se distinguir que
etapa está afetada em certos fenômenos psicopatológicos, consagrou-se o uso do
termo sensopercepção. A apercepção seria um processo de ordem
ainda mais superior, através do qual se é dado significado às
percepções. Apercepção é perceber algo integralmente, com clareza e
plenitude, por reconhecimento ou identificação do material percebido com outros
elementos psíquicos pré-existentes. Alguns autores não diferenciam
percepção e apercepção.
Essas diferentes etapas do processo sensoperceptivo tornam-se bastante
evidente nos estudos neuropsicológicos clássicos que observaram que as lesões
nas estruturas responsáveis por esses processos podem levar a uma perda
sensorial (ex: cegueira cortical, caso seja lesado o córtex visual primário) ou
às agnosias (a)perceptivas e associativas. Entretanto, essas síndromes
neuropsicológicas clássicas não serão objeto de nosso estudo.
Por algum tempo, acreditou-se que a sensação seria um
fenômeno passivo, físico, periférico e objetivo, resultado das alterações
produzidas por estímulos sobre os órgãos sensoriais (Alonso-Fernandez).
Enquanto isso, a percepção seria um fenômeno ativo, psíquico,
central e subjetivo, que resultaria da integração das impressões sensoriais
parciais e da associação dessas às representações (Alonso-Fernandez). A
título de simplificação e grosso modo, considerava-se que as sensações seriam
determinadas por fatores predominantemente neurofisiológicos,
enquanto as percepções seriam determinadas por fatores predominantemente psicológicos. Podemos
dizer que definições como essas estão atualmente superadas, considerando que
não faz mais sentido contrapor, por exemplo, fenômenos físicos ou
neurofisiológicos a fenômenos psicológicos, visto que todos esses processos são
cerebrais. Cores, tons, cheiros e gostos são construções da mente, à
partir de experiências sensoriais. Eles não existem, como tais, fora do nosso
cérebro.
Classificação das qualidades sensoriais:
- Exteroceptivas:
visuais, auditivas, gustativas, olfativas, cutâneas (táteis, térmicas,
dolorosas).
- Interoceptivas
(ou cenestésicas): bem-estar, fome, sede, sensibilidade visceral.
- Propioceptivas:
posição segmentar do corpo, equilíbrio, barestesia.
O elemento básico da sensopercepção é a imagem,
caracterizada por:
- Nitidez;
- Corporeidade;
- Estabilidade;
- Extrojeção;
- Ininfluenciabilidade
voluntária;
- Completitude.
A representação se caracteriza por ser apenas uma revivescência de uma imagem sensorial determinada, sem que esteja presente o objeto original que a produziu.
- Pouco
nítida;
- Pouco
corpórea;
- Instável;
- Introjetada;
- Incompleta.
Alterações quantitativas:
• Agnosia: termo criado
por Freud que literalmente significa não conhecer.
• É um distúrbio do
reconhecimento visual, auditivo ou tátil, na ausência de déficits sensoriais
(periféricos ou centrais).
• As sensações podem ocorrer,
mas não são percebidas ou não são associadas.
• Hiperestesia: aumento
global da intensidade perceptiva. As impressões são mais intensas, mais vívidas
ou mais nítidas, podendo também ser mais desgradáveis.
• Ex: mania, intoxicações,
algumas crises epilépticas, quadros dissociativos, na ansiedade, na migrânea,
na “ressaca”.
• Hipoestesia:
diminuição global da intensidade perceptiva. As imagens são mais escuras, sem
brilho; a comida é insossa; os sons são abafados, etc.
• Ex: quadros de estupores na
depressão ou na esquizofrenia; rebaixamento de nível de consciência.
• Anestesia: abolição da
sensibilidade.
• Encontrada nas mesmas
situações da hipoestesia, e ainda em quadros dissociativos (cegueira ou surdez
histérica).
• Alucinações negativas:
aparente ausência do registro sensorial de determinado objeto presente no campo
sensorial.
• Está relacionado a mecanismos
psicogênicos (histéricos).
• Macropsia: percepção
de objetos aumentados de tamanho.
• Micropsia: objetos
parecem menores do que realmente são.
• Dismegalopsia: objetos
parecem deformados, com partes aumentadas, partes diminuídas.
• A macropsia, a micropsia e a
dismegalopsia ocorrem mais comumente em quadros de delirium, na
epilepsia de lobo temporal, na esquizofrenia, nos transtornos alimentares e na
intoxicação por alucinógenos.
Alterações qualitativas:
Ilusões
• Ilusões: do latim, illusionem,
significa engano, miragem, ludíbrio.
É a percepção falseada, deformada, de um objeto real e
presente.
• Um outro objeto é percebido
no lugar do original.
• A deturpação da imagem se dá
por uma mescla entre a imagem perceptiva e uma imagem representativa.
• Nossos sentidos são
simplesmente enganados por alguma variável circunstancial (iluminação,
distância, efeitos ópticos, etc.) ou se deixam superar por alguma emoção.
• Podem ocorrer em alguns
transtornos, mas também em pessoas normais. São classificadas em:
- Ilusão por desatenção
- Ilusão catatímica
- Ilusão confusional
Pareidolia
• Uma imagem, fantástica e extrojetada, é
criada intencionalmente a partir de percepções reais de elementos sensoriais
incompletos ou imprecisos.
• Ocorre em pessoas normais e é relacionado à
atividade imaginativa.
• Diferencia-se da ilusão pela consciência da
irrealidade da imagem e da sua influência voluntária sobre essa.
Veja algumas pareidolias interessantes e bem humoradas AQUI.
Veja algumas pareidolias interessantes e bem humoradas AQUI.
Alucinação
• Do latim, alucinare,
que significa dementado, enlouquecido, sem razão.
É a percepção clara e definida de um objeto sem a presença
do objeto estimulante real.
• Nas alucinações verdadeiras
há todas as características de uma imagem perceptiva real.
• As alucinações verdadeiras
possuem irresistível força de convencimento, ou seja, são aceitas pelo juízo da
realidade, por mais que pareçam para o próprio paciente estranhas ou especiais.
• A possibilidade de se
suprimir uma alucinação através da argumentação sensata é decididamente nula e,
caso isso aconteça, não estaremos diante de uma alucinação genuína, mas de um
engano sensorial.
Pseudo-alucinações
• Há duas definições mais corriqueiras de
pseudo-alucinação: uma baseada no insight (Hare, 1973) e
outra, como exemplificada por Jaspers (1962), baseada se as qualidades do
objeto alucinado são de imagem representada (ou seja, há ausência de
corporeidade e é localizada no espaço subjetivo interno). Jaspers acreditava
que o fato de as pseudo-alucinações terem características de representação
traria implicações diagnósticas diferentes. Hoje se sabe que essa definição
carece de validade diagnóstica, sendo incapaz de por si só diferenciar
transtornos psiquiátricos distintos. Já Hare afirmava que a crítica sobre o
fenômeno patológico pode flutuar e, por isso, seria melhor falar em graus
de insight. Desse modo, percebe-se que tanto um conceito quanto o
outro perde sua utilidade.
• Apesar dos problemas conceituais, a
alucinação deve ser descrita precisamente quanto a suas características e, em
particular, quanto ao insight de quem alucina sobre o fenômeno
patológico. Nesse sentido, tem sido proposto por alguns autores de se abandonar
o ambíguo conceito de pseudo-alucinação e que se passe a utilizar os
termos alucinação psicótica ou alucinação
não-psicótica, caso o teste de realidade esteja mantido ou prejudicado,
respectivamente.
Alucinoses
• O fenômeno sensoperceptivo é
similar ao alucinatório, mas é adequada e imediatamente criticado pelo
indivíduo, que reconhece o fenômeno como patológico. Ou seja, é um conceito que
se sobrepõe ao conceito de pseudo-alucinação proposto, entre outros autores,
por Hare (1973), bem como ao conceito de alucinação não-psicótica. Esse último
termo deve ser preferido.
• Estão mais relacionados com
distúrbios orgânicos, intoxicações, na migrânea.
Tipos de alucinações
- Alucinações visuais
Alucinações
liliputianas, inspiradas no livro
As
viagens de Gulliver, de Jonathan Swift |
• Podem
ser simples (fotopsias) em que se vê cores, bolas, pontos
brilhantes, escotomas, etc.
• As complexas incluem
figuras, imagens de pessoas, de partes do corpo, de entidades, objetos, etc.
• As visões
de cenas completas são chamadas de cenográficas.
• Nas
alucinações liliputianas o indivíduo vê personagens minúsculos entre os objetos
reais de sua casa.
- Alucinações auditivas
• É o tipo
mais freqüente.
• Nas
alucinações simples, ouvem-se ruídos.
• Na
alucinação audioverbal, escutam-se vozes sem estímulo real.
• Podem ser
depreciativas, ameaçadoras, que ordenam (vozes de comando), comentadoras.
• Fenômenos
próximos: sonorização do pensamento e eco do pensamento.
• Está
relacionada a uma alteração da consciência do eu se o estímulo for localizado
pelo paciente no espaço objetivo externo.
• Publicação
ou divulgação do pensamento.
• Alucinações musicais:
Fenômeno raro. Em geral, a crítica está preservada.
Associada a déficits auditivos, doenças neurológicas e quadros depressivos em
idosos.
- Alucinações táteis
• Sentem-se
espetadas, choques, insetos ou pequenos animais correndo sobre a pele.
• Ocorre em
psicoses tóxicas e nos esquizofrênicos (nos genitais). Associada ao delírio de
infestação, chama-se Síndrome de Ekbom.
- Alucinações olfativas
- Alucinações gustativas
- Alucinações cenestésicas
• Localizadas
nos órgãos internos.
• Ocorrem na
esquizofrenia e nos delírios de influência e síndrome de Cotard.
- Alucinações cinestésicas
• Falsas
percepções de movimento, ativo ou passivo, de todo o corpo ou só de um
segmento.
• A pessoa
está imóvel, mas sente-se afundando, girando, voando, elevando um braço, etc.
• Ocorre na
catatonia e quadros orgânicos.
- Outros fenômenos alucinatórios
Alucinações funcionais: fenômenos desencadeados por
estímulos sensoriais.
Sinestesias ou alucinações combinadas.
Alucinações extracampinas: alucinações que ocorrem
fora do campo perceptivo.
Alucinações autoscópicas e fenômeno do duplo
(Doppelgänger).
Sensação de presença.
Alucinações hipnagógicas e hipnopômpicas: relacionadas
ao adormecer e ao despertar, respectivamente.
Referências:
Hare, E. H. (1973) A
short note on pseudohallucinations. British Journal of Psychiatry, 122, 289.
Jaspers, K. (1962)
General Psychopathology(7th edn), (trans. J. Hoenig & M. W. Hamilton.)
Manchester: Manchester University Press.
Muito bom. Me a ajudou. Obrigado!
ResponderExcluirMuito bom. Me a ajudou. Obrigado!
ResponderExcluirExcelente!
ResponderExcluirMuito esclarecedor e repleto de exemplos e imagens, isso ajuda muito a entender. Ótimo!
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